sábado, 2 de fevereiro de 2013

Santa Evita e a Catedral do Tango

          Participamos, recentemente, de um espetáculo digno de uma Broadway em Buenos Aires. Estivemos na casa de espetáculos "Señor Tango", talvez o mais  sofisticado templo da música da América do Sul. Funciona num antigo casarão construído inicialmente por imigrantes italianos para abrigar um armazém de secos e molhados. Em 1996, seu novo proprietário, o cantor e dançador de tangos Fernando Soler o transformou na "Catedral do Tango". É, depois do jazigo da Evita Perón, o lugar mais visitado da capital Argentina. Abriga, confortavelmente, 1.500  pessoas em cada espetáculo.

          A Señhor Tango é um prédio de 100 anos, construído com tijolos maciços, paredes espessas, e uma estrutura composta de madeiras e metais. São três andares de galerias. Ao meio, um palco redondo, que gira, e oscila para cima e para baixo, onde o show de tangos é aberto com dois cavaleiros, um nativo e um imigrante uruguaio que se encontram, montados em dois belos cavalos brancos. Ficamos a dois metros do palco e bem ao lado de uma das rampas por onde circulavam os atores. É um show indescritível.

          Um cenário oferecido pela moderna tecnologia, numa tela enorme, à direita, frente da qual se posta a orquestra mesclada por músicos experientes e outros jovens, já nos promeiros lances emociona os visitantes. Executam clássicos e motivos nativistas da América do Sul, e  em especial os tangos.

          O show, inicialmente,  é aberto por duas senhoras muito semelhantes, gêmeas, que brindam os presentes com seu indizível talento. Depois, seis casais de jovens muito bonitos coreografam tangos e  valsas, com uma forte expressão facial, olhar contundente e leveza de corpos que flutuam no palco. Estamos lá, estamos na Señor Tango!

          Voltando atrás, as pessoas chegam de forma muito organizadas. Saímos em 50 ônibus diretamente do Magnifica e fomos adentrando ao local sem nenhum desvio de percurso, sem atropelos. As pessoas todas elegantemente vestidas e, mais importante, discretas e educadas. À direita, na entrada, um retrato  em que o cantor Fernando Soler posou quabdo da visita na casa da aprsentadora de TV brasileira Hebe Camargo, talvez a comunicadora que mais abriu espeço ao tango nos meios televisivos brasileiros. lembro que ela era uma exímia dançadora de tangos...

          É difícil que alguém que tenha visitado Buenos Aires para lazer ou turismo que não tenha estado nauela casa de shows. Só para citar, o ator Lando Buzanca, o presidente da Fifa Joseph Blatter, Bill e Hilary Clinton, o maior jogador de futebol de toda a história da Alemanha, Franz Beckenbauer, Alberto de Mônaco, Gabriela Sabatini, Ivanna trump, Victório Gassman e Lisa Minelli já estiveram lá. E, claro, muitos de nossos brasileiros, em especial gaúchos, catarinenses e paranaenses, pela proximidade geográfica.

          Mas, voltando ao espetáculo, o Fernando Soler é o maior representante  da segunda geração tanguista da Argentina e o "Embaixador do Tando no Mundo", já com shows realizados em todos os continenses e nas mais famosas casas de espetáculos. Sua voz estridente e marcante e a maneira calma com que se comunica com os presentes são sua própria marca, além de sua grande capacidade de interpretação, não só de tangos mas também de canções espanholas e mexicanas.

          Ao alto, uma galeria de fotos dos tangistas de primeira geração argentina, capitaneados pelo maestro Astor Piazzola.

          E, as canções interpretadas por Soler são todas acompanhadas pelos seis pares de bailarinos que, no chão do palco, ou impulsionados ao ar por trapézios, parecem voar rumo ao céu estrelado e voltam repentinamente à terra. É um paraíso  dentro de de uma casa de shows.

          Finalmente, o ápice das apresentações: enquanto os jovens dançarinos embasbacam a plateia, voltam as duas mulheres da abertura  e abrem a voz para a canção mais marcante daquele país: "No llores por mí, Argentina"!
E entra uma terceira voz, o poderoso Fernando Soler, e o trio nos contempla com  melhor interpretação possível da canção que traduz os sentimentos de todos para com  Maria Eva Duarte de Perón.  E termina o espetáculo. Nada mais há que se esperar, nada mais há que se possa querer, nem que possa superar a reverência de todos os atores e cantores que, com a mão direita colada ao  peito e os olhos voltados ao céu, a oura mão tocando a bandeira de azul, branca e amarela, cantam: "Não chores por mim, Argentina"! E aplaudimos em pé... e choramos!

Euclides Riquetti
02-02-2013

         

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

De Navegantes e deYemanjá

          Em 02 de fevereiro várias cidades do Brasil e de Portugal comemoram o Dia de Nossa Senhora dos Navegantes. Isso  acontece em Pelotas, Porto Alegre  e Rio Grande, no Rio Grande do Sul. Em Santa Catarina, destaque para Navegantes e Itajaí,  e para algumas praias. Em Salvador, na Bahia, é venerada como Yemanjá, a Rainha do Mar. No bairro do Rio Vermelho, 350 embarcações estarão participando de uma procissão e milhares de oferendas sendo jogadas ao mar. Se foram devolvidas, é porque não foram aceitas. Se o mar as levar, Yemanjá as aceitou.

          No Rio de Janeiro há grande reverência à Rainha do Mar em toda a orla marítima. Estas são as referências mais badaladas anualmente. Contudo, outras cidades pequenas, de menos visibilidade, também veneram a  Santa que está no coração de tantos e tantos. Para os católicos, Nossa Senhora dos Navegantes. Para os umbandistas, Yemanjá.

          Acompanho Nossa Senhora dos Navegantes desde minha infância. Em janeiro de cada ano, meu pai começava a preparar seu bote para ajudar na procissão que costumava acontecer no Rio do Peixe. Ele e os amigos gostavam de trazer a imagem vinda desde proximidades da Ilha, na antiga SIAP, pelas águas do Rio, até o valo que abastecia de água a usina hidrelétrica da família Zoréa, ali abaixo da barragem de pedras. E isso se repete até hoje. É uma magnífica procissão fluvial, ao anoitecer. Um belo show pirotécnico a recebe quando chega, em sua comitiva, próximo à ponte, onde é retirada das águas no portinho da família Costa, segindo pelas ruas  Giavarino Andrioni,  Guerino Riquetti e Felip Schmidt, até a Praça Pio XII, onde acontece a Santa Missa. Lembro que o Sr. Olivo Zanini era um dos que sempre estavam ali esperando para ajudar a levar o seu andor.

          Padroeira do Município de Ouro, é venerada pela população, que, no dia que lhe é consagrado, feriado, costuma aglomerar-se por sobre a Ponte Nova, na ligação com Capinzal, para presenciar a chegada da imagem que foi esculpida em cedro na década de 1980, pelo escultor Paulo Voss, que residia no Bairro que leva o nome da Santa. Nos dias anteriores, celebra-se um tríduo nos bairros da cidade, em preparação para o dia culminante.

          Diz-nos a História local que o balseiro Afonsinho da Silva, logo após a Guerra do Contestado, construiu um pequeno capitel à margem direita  do Rio do Peixe, colocando uma imagem para sua proteção, próximo ao passo. Contudo, na enchente de 1939 as águas levaram a imagem mas, tendo implorado pela sua ajuda,  foi atendido, salvando-se num momento muito adverso, quando achava que isso já era impossível. Então, adquiriu outra, em Caxias do Sul, que acabou na primeira capela construída, aos fundos da atual Prefeitura e, depois, na esquina da Rua Formosa com a Pinheiro Machado. Atualmente, a imagem esculpida é exposta num belo capitel, na Praça Pio XII.

          Há pelo menos três  fatos que me marcaram a presença da Santa em minha vida: A primeira vez, na metade da década de 1980, eu estava em casa ouvindo no rádio as preocupações  em relação à estiagem que vinha ocorrendo e pensando em Nossa Senhora dos Navegantes. Lembrei que o amigo Reinaldo Durigon, que aniversaria no dia 02 de fevereiro, e era muito devoto dela. De repente, escuto um bater de palmas, é o Durigon vindo a minha casa, coisa que nunca havia acontecido antes. Adivinhei o que seria: veio propor-me realizarmos uma procissão, mexer com a imagem da Santa que, dizem, ajuda a movimentar as águas. Organizamos uma procissão levando a imagem desde a matriz, em Capinzal, até o Seminário, em Ouro, e logo depois choveu.

          Na segunda vez, a estiagem assolando nossas plantações, todo mundo desesperado e pedindo uma procissão para que chovesse. Aguentamos mais uma semana, até o dia 02, quando montamos um palco para celebração em cima de um caminhão do Ivo Maestri, na ponta do canteiro central, próximo do comércio de sua família. Bem na hora do Evangelho veio uma chuva tão intensa que todos foram abrigar-se embaixo das marquises das lojas. A Eliza Scarton trouxe uns guarda-chuvas  para o Frei David continuar a celebração. Restaram somente o Padre e algumas abnegadas senhoras para ajudar. Poucos restaram para receber a comunnhão e para os ritos finais...

          Numa oportunidade mais recente,  estava participando da Festa de São Paulo Apóstolo, na área de Lazer, em Capinzal, quando o Sr. Pingo, o Pingo das Cocadas, veio falar comigo, queria autorização para vender seus doces na semana seguinte, dia da Procissão, na Praça Pio XII. Estava a explicar-lhe que a responsailidade do evento, naquele ano, era da Capela do Bairro Navegantes, liderados pelo Rovílio Primieri. Dizia-lhe que era para falar com ele, que eu concordava, e tentava mostrar-lhe onde se situava a casa do mesmo, apontando com o dedo, para que o Pingo o procurasse lá. Nesse instante, uma mão tocou meu ombro: era o Rovílio. Queria saber porque estávamos olhando para seu bairro! E já se entenderam ali mesmo. Coincidência, ou presença de Nossa Senhora?

          Essas são apenas as minhas histórias, mas há as de outros. A grande verdade é que as pessoas acreditam, firmemente, que Nossa Senhora dos Navegantes tem poder e domínio sobre as águas dos mares e dos rios. Tem poder de regular as chuvas. E ajuda as pessoas a se defenderam das incertezas dos mares da vida. Como Yemanjá ou como Nossa Senhora dos Navegantes, o fato é que ela tem um elevado número de adeptos no país, principalmente nas cidades litorâneas. Então, todos os anos, no Dia da Padroeira, as pessoas   se reúnem para render-lhes graças. E, se for em tempo de estiagem, para pedir por chuva...
       

Euclides Riquetti

         



        

         

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A (in)segurança nos locais de lazer -

          Chegou  a soar cômico o que se viu e ouviu  nos noticiários de final de noite e início deste novo dia, com relação ao acontecido na nova Arena do Grêmio, em Porto Alegre.
   
          Pelo menos oito pessoas ficaram feridas quando o jogador Elano marcou, pelo tricolor gaúcho, o primeiro gol no novo estádio, em Porto Alegre, na vitória deste sobre a LDU, pela fase inicial da Taça Libertadores da América. Ocorre que, no novo estádio, a pedido dos torcedores, contrariando as normas de segurança, deixaram uma das alas sem colocação de cadeiras numeradas, ficando uma arquibancada de livre movimentação, para que possam fazer "avalanches", ou seja, quando desejam comemorar um  gol, descem correndo para perto do alambrado.

          O belíssimo estádio, caprichosamente preparado para a Copa do mundo, nos envergonhou! Certamente que as imagens retransmitidas pela TV ao mundo terão repercussão junto à Fifa e aos torcedores estrangeiros que virão para assistir à Copa no Brasil em 2014.

          Em nome de um puxassaquismo exacerbado, da demagogia, da falta de seriedade, no afã de agradar torcedores imbecis, abriram essa exceção, que por sorte não nos trouxe vítimas fatais. Das dezenas de envolvidos no "rolo" (se eu disser que foi tumulto posso estar errado, uma vez que a atitude não foi voluntária, foi ingênua), oito foi o saldo de feridos.

          Agora, se olharmos aquela "cerquinha" que é o novo alambrado, temos que rir, leitor (a). Até escrevi no site do G1, ainda na madrugada: "Deveriam colocar pelo menos quatro carreiras de trilhos de trem como alambrado para conter a torcida" Mas, cerquinhas, de nada adianta, são apenas demarcações com efeito simbólico e não  prático.

          Tenho certeza de que o acontecido vai abrir nova discussão sobre a segurança dos estádios, que vai se somar à da  tragédia da boate Kiss e outros lamentáveis acontecimentos da nossa história. Melhor que tenha acontecido agora e que apenas uns esfolões e pequenas contusões tenham acometido os torcedores, e possamos ver melhor a questão da segurança dos locais onde há grande frequência de público.

          O Grêmio passou à fase de grupos da Libertadores através de vitória nos pênaltis.

Euclides Riquetti
31-01-2013

     

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

MSC Magnifica, uma Broadway Flutuante

          Em meados de janeiro tivemos nossa segunda experiência com cruzeiros. Saímos do Porto de Santos no dia 13 e retornamos ali no dia 20. Destinos: Punta Del Este, Buenos Aires e Montevidéo. Vivemos muitos momentos Broadway na viagem e nos deliciamos com isso. No MSC Magnifica fazem  grandes espetáculos musiais, há uma Broadway flutuante, um teatro, o Royal Theatre, com fina decoração em base de um verde envelhecido. A  de todos os ambientes é fantástica. Destaco o Tiger Bar e o Ametista Lounge como os mais acolhedores e sofisticados.

          Numa das esperas para o jantar ficamos no exuberante Topazio Bar, onde a cantora bahiana Camila Jatobá, vestindo um elegante longo,  branco,  interpretava:

 "Como Vai Você?
 Eu preciso saber da sua vida
 Peça a alguém pra me contar sobre o seu dia
Anoiteceu e eu preciso só saber
Como vai...você?"

         Era a música do Roberto Carlos que embalava nossos sonhos  dos tempos de juventude, lá do Clube 25 e no Apollo, em Porto União, bons tempos em que eu tínha longos e encaracolados cabelos e  muita energia jovem.  Vibrei com isso!

          Tirei fotos da Camila, conversei com ela, disse-lhe que tinha muito talento. E tem mesmo! É uma cantora fadada ao sucesso, sei que tem muitos fãs no Nordeste, onde é mais conhecida.  Ela mesma me deu o nome da outra cantora que a sucedeu, Marinês Fugueiredo, uma brasileira de Santos que canta um pop internacional com muita boa voz, postura, dicção e afinação. Disse-me a Camila que as demais cantoras consideram a Marinês a "professora" delas, que lhes dá muita força e até as orienta. Percebi que ela realmente é uma madrinha para as demais, tanto que, num dado momento de sua apresentação, convidou uma bela waiter, a Paola Suarez Heighes, peruana, para estar com ela no palco. As duas entoaram um maravilhoso dueto. Fiquei encantado com aquela singela improvisação!

          Nos dias seguintes conersamos algumas vezes com a Paola, ela tem formação acadêmica em seu país na área de serviços para cassinos. Muito cordial e competente em seu trabalho. Domina muito bem a língua portuguesa. Aliás, esse pessoal que trabalha nos navios tem sempre bom nível de formação escolar e falam no mínimo umas três línguas. Os mais antigos dominam diversos idiomas.

          Na terceira noite, no Royal Theatre, assistimos ao espetáculo "Sonhando Broadway", que fazia referência à ascensão de uma cantora negra ao estrelato, saída de uma daquelas igrejas em que os afroamericanos entoam aqueles belos hinos Evangélicos e muito soul-music para o estrelato. Eu observava a estrela morena que cantava  num elegante vestido longo, púrpura brilhante,  músicas de sucesso nos Estados Unidos,  e imaginava que seria  dublagem. Não acreditava que estivesse cantando, parecia mais uma dubladora fazendo movimentos magistrais com o corpo. Parecia impossível que pudesse cantar e movimentar-se com tanta elegância. Depois, entra um rapaz claro, engalanado,  e formam um espetacular dueto. Passo a perceber que os dois têm atrelados pequenos mas resolutivos microfones, e o público aplaude, freneticamente, cada apresentação de ambos.

          Adiante, o apresentador, Netinho,  anuncia que a cantora  irá interpretar uma canção homenageando sau pátria de origem e ela sai cantando um sucesso de Roberto Carlos. O público se levanta e, endoidecido, delirante, aplaude-a em pé. Merecedora consagração à intérprete, nossa talentosa brasileira que nos brindou sendo protagonista daquele espetáculo. Aquele efeito Brasil reinou em todos os nossos corações...

          Foram muitos espetáculos musicais nas sete noites da viagem. Coreografias que nos embasbacavam compunham os cenários. Tudo muito encantador. Até mesmo o piano solitário localizado no "Le Gocce", em que a elegante Gisela executava seus clássicos, parecia flutuar sobre as águas. Um cenário muito bem composto, com um piso de vidro bem transparente, mostrava-nos a água que mole e harmonicamente,  bailava sob o mesmo...  E bailavam, também, meus sonhos e meu coração!

Euclides Riquetti

         

         
        

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O Seminário

          Vivi minha infância muito presente no Seminário Nossa Senhora dos Navegantes, no então Distrito de Ouro, município de Capinzal.  Havia um Frei lá, João, depois o Frei Otávio, que eram os responsáveis pela educação inicial dos nossos futuros padres. Um  casarão que pertencera à Família Penso fora adquirido pelos Padres Capuchinhos e, com ampliações, comportava o Seminário. Os meninos estudavam no Mater Dolorum, até concluir o Primário. Depois iam para Riozinho, na região de Irati, no Paraná. Mais adiante, o Padre Adelino Frigo e o Victorino Prando estiveram na sua Direção.

      Lembro que o Martin Mikoski e o André Bocheco eram os braços direitos dos diretores nas décadas de 1960 e 1970.  Lideravam os meninos nas lides da roça, do estudo e das orações. Tomaram outros rumos, foram exercer outra vocação que não a do sacerdócio. Depois veio o Frei Orlando, que dirigia o jeep azul e a Ford, levando os seminaristas para trabalhar na granja deles. O esforçado Frei Orlando, compositor do Hino a Nossa Senhora dos Navegantes tornou-se sacerdote. Era uma alma bondosa. Continua sendo uma figura muito carismática. Com sua voz ressonante, enche os espaços das Igrejas onde canta.

          Eu tinha muitos colegas de aula que eram do Seminário. E também um primo. Tinham suas horas de estudos, as de orações e meditação, e ainda ajudavam na Granja dos Padres. Uma Senhora, Dona Aurora, era a mãezona de todos eles. Era uma matrona forte e respeitada, impunha respeito em talvez umas cinco dezenas de meninos afoitos.

          Aos domingos, iam para alguma comunidade, a pé, para jogar futebol. Lembro que o Luiz Frigo corria muito, tinha as pernas compridas e reclamava do juiz, normalmente um Frei.

          Quando a Festa de São Paulo Apóstolo  se avizinhava, eram colocados a pintar estatuetas de gesso do padroeiro, que eram trazidas de Curitiba. A batina marrom, um manto verde, o rosto marfim. Era mais ou menos isso. E havia alguns acabamentos que eram feitos pelo Frei João, para que o serviço ficasse bem feito. Ainda hoje há, em algumas casas no interior, exemplares desse São Paulo Apóstolo, que era benzido e vendido no Dia da Festa, 25 de janeiro, ou no domingo mais próximo. 

          No Colégio, os meninos eram bulidos, sistematicamente, por muitos dos colegas. Eles tinham umas características que os diferenciavam de nós, como por exemplo, na fala: Nós dizíamos "pra" e eles diziam "para". O Frei exigia que aprimorassem sua fala. Nós achávamos que aquilo era coisa de granfino. E diziam os esses nos plurais. E as declinações certas ao final dos verbos. Na sala eram comportados e isso nos deixava intrigados porque tinham mais prstígio do que nós que fazíamos nossas  inocentes  baguncinhas.  No futebol, eram melhores do que nós, porque em seu tempo livre, jogavam muita bola. Faziam petecas com palha de milho e penas de galinhas que eram uma maravilha. Tinham seu material escolar organizado, bem mais do que o meu, que não posso me citar como exemplo para ninguém, tamanho era meu desleixo. Por tudo isso os colegas buliam com eles.

          Eu ia diariamente ao seminário, era quase um deles. Algumas vezes me tentava a dizer que queria estudar para me tornar padre, mas  sabia que não tinha nenhuma aptidão ou vontade para isso. Acho que era por causa da companhia dos amigos. Aqueles que terminavam o primário iam para Irati e nós ficávamos muito tristes, pois só vinham para casa ao final do ano. Tinham que ficar lá em provação. Acho que isso levava  muitos deles a desistir de seu intento.

          Certa vez houve uma briga no Colégio e a minha turma de amigos ficou dividida, uns contra e outros a favor deles. Eu era a favor, pois aqueles meninos não incomodavam ninguém, mas havia uma cisma de alguns contra eles. Lembro que os contra eles desciam o morro rapidamente,  ao final da aula, antecipando-se aos seminaristas,  e amarravam as guanxumas  que havia ao lado dos carreiros para que, quando eles corressem, caíssem. E, depois, armavam uma algazarra para vê-los correr e caírem. Para nós, aquilo era divertido, não levam mais do que uns esfolões. Tinha um que era bravo, o Paulo Rosalem, que virou padre e soube que ele faleceu recentemente, em Capinzal.

           E muitos deles acabaram saindo  e tornando-se bons professores. Aliás, muitas das universidades do Oeste e Meio Oeste de Santa Catarina foram bem sucedidas porque ex-seminaristas tornaram-se professores delas, chegando ao Doutorado ou Pós-doc. E tornaram-se  diretores, reitores até. Mas também rechearam o mercado com profissionais liberais. Ou na área pública. A seriedade com que eram cobrados no estudo lhes deu uma base sólida de conhecimentos que lhes permitiu galgar escalas acima com relativa facilidade.

          Tenho boas lembranças daquelas tardes em que eu ia com um irmão pequeno participar das brincadeiras com os seminaristas.

          O Seminário Nossa Senhora dos Navegantes foi desativado, assim como os demais da região. Seus prédios são ocupados por escolas particulares, centros de administração pública e de múltiplo uso. Foi assim em Ouro, Luzerna, Ibicaré e Iomerê. No Paraná, em Ponta Grossa, um deles hoje abriga a Universidade Federal Tecnológica do Paraná.

          Nossa região, em razão de sua colonização italiana, era povoada de seminários. Os pais sonhavam em ter um filho Padre. Os filhos viam no Seminário uma maneira de sair de casa e estudar. E já valia para eles a regra de que "o futuro a Deus pertence". Talvez o Vaticano não tenha conseguido ter o número de propagadores do Evangelho que esperava, mas o certo é que muitos colégios e faculdades ganharam excelentes professores, ajudando a dar um ton de maior qualidade à nossa educação. Graças a Deus,  e não em nome de Deus...

Euclides Riquetti
28-01-2013

domingo, 27 de janeiro de 2013

A Tragédia de Santa Maria

           Não há como não comover-se com o que aconteceu, na madrugada deste domingo, em Santa Maria, RS.  Jovens bonitos, inteligentes, com o presente e o futuro muito promissores, no momento em que buscavam recreação, alguns comemorando resultados na Universidade,  foram vitimados por um evento adverso de grandes proporções. O incêndio na Boate Kiss vitimou mais de 230 pessoas.

          Imagino a dor de seus familiares, a angústia pela espera de notícias, o pânico instalado em Santa Maria. Nada reporá, no seio das famílias, as irreparáveis perdas. Nosso país está de luto.

          Resta-nos rezar para que os que perderam seus entes e amigos consigam superar a dor e possam encontrar motivos para recuperar o ânimo tão abalado.

         Esperar que nunca mais tenhamos notícias tão fortes na vida de ninguém.

         Que Deus receba esses jovens no seu Reino e lhes destine um belo lugar no Paraíso!

Euclides Riquetti
27-01-2013