sexta-feira, 5 de abril de 2013

Os Devaneios do Amílcar

         Reencontrei o Amílcar lá em Canasveiras. Estava sentado numa mureta, ali numa esquina central, defronte àquela em que os vendedores nos oferecem: "Cambio! - Câmbio!". Claro que eu, com aquele boné do Boca, que comprei em Buenos Aires, azul com detalhes em amarelo, sou alvo fácil: Pensam que sou "de fora", portenho. Quando digo meu firme "Obrigado!" é que percebem que, comigo, poucas chances terão de bons negócios.

          Quase não o reconheci, pois o tempo não foi generoso com ele também. Avantajou-se no abdômen e  agrisalhou-se nos cabelos, embora conservando a vasta cabeleira dos tempos de moço. O tênis deu lugar a uma franciscana, a calça e a camisa social deram lugar a uma bermuda jeans e uma polo Pierre Cardin. Os óculos de sol  meio fora de moda, padrão John Lennon (Se é que se pode dizer que os óculos do marido da Yoko algum dia caíram mesmo de moda). Como sempre, perfumadão. O Lancaster, porém,  deu lugar a um fino e suave olor de Paris. Foi um reencontro memorável. Aliás, para mim, todos os reencontros são memoráveis, têm o mesmo efeito, seja o do Mandela com sua África, ou do Zequinha com a Heleninha. A emoção tem nível semelhante, embora as situações e o status de importância, ao olhar externo, sejam diferentes. Não a mim...

         Demorei um pouco para certificar-me de que era o Amílcar. Mas, quando ele me abordou, com aquela voz aguda-preguiçosa, tive toda a certeza de que era ele. Um firme aperto de mão, um abraço e, em segundos, parecia até que nunca tínhamos deixado de nos vermos. Poucas vezes nas últimas três décadas. Quem sabe duas, três vezes. Mas foi uma grande alegria revê-lo.

          Ao cabo de uns vinte  minutos, já tínhamos passado e repassado nossas vidas, nossas venturas e desventuras. Ri muito de algumas que ele me contou: Estava ali, sentado, porque tomara umas latinhas de subzero e esquecera o número do telefone da esposa, que se distanciara para ver as "promoções" de redes, mantas e cangas que os nordestinos estavam fazendo pelo término da temporada. Já havia ligado para três números, educadamente atendidos por senhoras, que eram parecidos com o do fone da esposa, porém  não eram o da patroa. Desperdiçara já setenta e cinco centavos da infinity-pré. Então, liagara, disfarçadamente, para uma filha, lá de General Carneiro, para que ela ligasse para a mãe e lhe dissesse que ele estava a esperar naquela esquina e que não conseguira contato com ela. Esperto, ele!

          Também  contou-me que, quando em férias, desconecta-se do mundo, baixa o volume do celular, só não desliga porque de repente algum dos filhos liga, pode precisar. Mas não gosta daquela música já manjada do toque há muito configurado. Então, deixa o volume no perfil "apenas luzes".  E, desliga-se tanto do mundo que, bem na manhã do dia anterior, no café da manhã, apertava o tubinho do adoçante para colocar umas seis gotas no café, e as gotas do lowçúcar plus, com stevia, não saíam normalmente. Teve que pressionar mais o tubo e as gotas obtidas  eram de um creme abranquiçado. Só então percebeu que, em vez do adoçante, pegara o tubo do protetor solar. Contava e ria, ria muito. Fiquei com uma baita inveja do Amílcar, que acha graça até das desgraças.

          Tomamos um sorvete "cascão" e nos divertimos falando de nossas trapalhadas. Contei-lhe das incontáveis vezes que adocei café com sal e sobre  muitas de minhas gafes, não diferentes das dele. Contei até aquela de que lavei o cabelo com óleo diesel para melhorar a performance!

          Então, toca o seu telefone celular. É sua mulher que o está procurando. Ele a orienta sobre o lugar em que ele está e ela vem ao seu encontro, sacolas cheias. Bah, as promoções... E, "querido, tudo em três vezes no cartão, sem acréscimos".

          Vou dispensar o (a) leitor (a) dos detalhes daquilo que se seguiu. Agora, esperar que possamos nos reencontrar em breve. Não tem facebook. E esqueceu de me deixar o número do celular. O Amílcar nunca deixou de ser ele mesmo. Mesmo com todos os banhos de lama que já tomou...

Euclides Riquetti
05-04-2013



         

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