quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A histórica arte de assentar pedras

          A pedra foi, historicamente, um elemento muitíssimo importante na construção da História do mundo. É comum, quando pessoas passem por locais em que há construções feitas com pedras, de qualquer tipo, admirarem-se pela excelência do trabalho das mãos humanas. Em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, conheci o Caminho das Pedras, em que as casas construídas há mais de 100 anos, basicamente em pedras trabalhadas, foram recuperadas recentemente. Dizem, lá, que as casas foram rebocadas no século XX, pois os propritários tinham vergonha em morar em casas assim. Morar em casa de pedra era sinônimo de atraso, de pobreza... Então, rebocavam as paredes para esconder as pedras, parecendo alvenaria de tijolos de barro.

          Agora, depois que viram que isso é motivo para orgulho e não para vergonha, retiraram  os rebocos e mostraram  a beleza daquela arquitetura. Numa delas, inclusive, filmaram O Quatrilho, há duas décadas, com a participação da Patrícia Pillar e da Glória Pires. Aliás, a respeito disso, ressalte-se que a verdadeira História de O Quatrilho, filme que foi indicado para o Oscar na década de 1990,  aconteceu envolvendo 4 famílias que têm descendentes em nossa região atualmente: Baretta, Dalri, Trentin e Tessari (ou Tessaro). A personagem Pierina, vivida por Glória Pires, representava a Maria Baretta real, a traída na verdadeira história e no enredo. Há descendentes dela morando em Ouro:  em Pinheiro Alto, Linha Caçador e Pinheiro Baixo. Há outros em Joaçaba.

         Sempre que o Egito é referido, lembramo-nos da arte das pedras, enormes, maravilhosamente assentadas pelo homem  na construção das pirâmides de Quéops Queéren e Miquerinos,  quando não se dispunha dos maquinários que possuímos hoje.

          Ontem pela manhã, ao dirigir-me ao centro de Joaçaba, ali defronte ao local onde a 50 anos se instava a garagem dos ônibus da atual Reunidas, no início da subida para o Aeroporto, vi que demoliram um velho casarão (sepultou-se mais uma história...), e restou um muro de pedras-de-obra aparentes, que certamente será substituído por uma contenção de concreto armado, para suportar, imagino, o estacionamento de um novo edifício. E comecei a perguntar-me o que farão com as pedras que serão retiradas dali...

          Na Praça Pio XII, em Ouro, havia um muro desses para a canalização do Rio Coxilha Seca, que passava por debaixo da área da mesma. Uma enchente, há cerca de uma década,  derrubou-o. Foi substituído por tubulação de concreto de 2 metros de diâmetro.

          Na área do antigo Ginásio Padre Anchieta, dando sustentação ao acesso ao Hospital Nossa Senhora das Dores, há um muro com pelo menos 5 metros de altura. Aos fundos do Hospital, outros, ainda maiores.

          Se andarmos nas cidades colonizadas pelos descendentes de italianos no Vale do Rio do Peixe, veremos milhares de quilometros de taipas remanescentes, com pedras irregulares habilmente empilhadas em firme amarração, a maioria com um século de existência. E estão ali, resistentes. Quem não se lembra de ter ido ao sítio do vovô ou do titio, um dia, e corrido em meio aos potreiros gramados e cercados por taipas,  atrás de terneiros?

          As taipas tiveram duplas  funções quando da colonização: Primeiro, fazer os cercados para que os animais não invadissem outras propriedades e fossem causar estragos nas plantações dos vizinhos, ou até como forma de proteção desse patrimônio; depois, porque a retirada das pedras das áreas que haviam sido desmatadas melhorava o terreno para o plantio, facilitando o trabalho do homem, principalmente no arado, evitando acidentes aos homem e aos animais.  E também para que o trabalho rendesse. Vale registrar que a maioria das nossas taipas foram construídas por lajeanos, que vinham do Planalto para trabalhar nas colônias, em empreitadas. Hoje, a profissão praticamente se extinguiu.

          O último taipeiro de que tenho notícia (podem haver outros, no entanto), é o capinzalense chamado de  Lajeaninho. Fez um muro para mim, na subida para minha casa. Não sabia ler nem escrever. Não usava metro para medir. Ele cortava uma rama de árvore, reta,  do comprimento de seu braço mais o equivalente a uma medida obtida entre o dedo polegar e o indicador  com uma abertura de 90 graus, o obtinha seu metro. Media o comprimento e a altura de sua empritada e multiplicava "de cabeça", dando-me a cálculo certo da quantidade de metros quadrados que executava.

          Outros desses autênticos pedreiros (hoje o termo pedreiro vem para pessoas que não utilizam mais pedras para trabalhar), construíram os muros de contenção dos porões, das frentes e dos fundos da maioria das casas edificadas até a década de 1960 nas cidades do Vale do Rio do Peixe. Conheci alguns deles, como Sr. Matiollo, o Bugre, seu cunhado Mingo Barbina, os Bonadiman, o Adami,  o Leonel, que fizeram muros até essa época. Mas, pelas obras remanecentes, é possível ver-se que nossa região contou com grandes artífices práticos em nossa História. E os calçamentos nas ruas das cidades também contaram com o habilidoso trabalho da mão humana.

          Mas, o que me leva a voltar meu pensamento ao passado, é considerar a magnitude da arte no assentamento das pedras quando na construção de nossa Estrada de Ferro (hoje desativada, abandonada, açoitada...,) desde Marcelino Ramos até Porto União. Dezenas de vezes passei em todo o trajeto utilizando o trem para ir e vir entre Capinzal e o Porto, e o mesmo fizeram meus amigos que foram para o Colégio Agrícola de Ponta Grossa, e os que acompanhavam bovinos e suínos desde nossa Estação do Trem até Sorocaba e São Paulo.

          Há maravilhosas obras de arte ao longo da ferrovia. Só para citar, menciono as  situadas proximamente ao perímetro urbano de Capinzal, nas imediações das residências dos Rossetti, Miquelotto e Costenaro; também aquela sobre o Rio Capinzal, no Centro da cidade; e aquela do Lajeado Residência, na confrontação de Linha Residência com Galdina, onde na margem direita do Rio do Peixe situa-se o Parque e Jardim Ouro, antiga SIAP, nas proximidades do estádio do Arabutã. E, no Rio Leão, não distante do Balneário Thermas Leonense, há uma maior. Em Herval D ´Oeste, é possível divisar-se uma ao sul da cidade.

          Em Pinheiro Preto, o túnel histórico da ferrovia, é emoldurado por um belo trabalho em pedras-de-obra. As pedras, na maioria das construções, tinham uma altura de 40 centímetros e o comprimento  variável. E isso possibilitava uma excelente amarração.  Era uma convenção que não sei por quem foi instituída, mas era nessa altura que saíam das pedreiras.

          A pedra é um símbolo da resistência humana. Parece que dominá-la, com arte, era a glória e a materialização dos sonhos das pessoas. Em Machu Pichu, está presente com toda a maestria da mão humana.  Soberanos, na História do Mundo, fizeram usá-la para edificar suas cidades, suas muralhas para proteção contra o inimigo e para guardar seus domínios e territórios, ou para sua tumba. A custa do suor e do sangue dos escravos. Foi assim nos primórdios das civilizações. Foi assim até recentemente.

Euclides Riquetti
24-01-2013



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