Hoje é uma data em que fico com minha sensibilidade aguçada. Voltam-me as lembranças de um sábado, 18 de junho de 1977. Morávamos em Duas Pontes, hoje Zortea. Cedo, tomei o ônibus para Capinzal. Fui à casa de meus pais, no Ouro, para ver como estavam as condições da debilitada saúde de meu pai. Um abraço em minha mãe, a busca pelo meu querido pai no quarto deles. Lá, ele enrolado nas cobertas, em sua cama, magro. Tínhamos o mesmo tamanho, mesma altura, mesmo peso. Porém, naquele dia, ele tinha chegado ao fundo do poço. Estava magro, acabado, o olhar muito fundo, e profundo. Frágil. Somente conseguia ingerir líquidos. O CA de estômago, esôfago e duodeno tinha acabado com ele.
Fiquei lá umas duas horas, conversamos. Poucas vezes tínhamos parado para conversar em 5 anos. Eu saíra para estudar e nas vezes que nos vimos falávamos de meus estudos, ele me contava sobre seu tempo de Seminário no São Camilo, em São Paulo, onde chegou a cursar Filosofia. Era uma pessoa muito culta, lia muito. Descrevia-me lugares em que nunca tinha estado como se tivesse morado lá por muitos anos. Falava de Veneza, de Roma, do Rio de Janeiro. Conhecia cada detalhe das cidades, dos países. Falava dos rios, das areias das dunas. Nas viagens, trazia-nos areia branca dentro de garrafinhas de refrigerantes, e pedaços de minerais e pedras em vidros de conservas. Para nós e para seus alunos. Falava das guerras, das revoluções, de Napoleão Bonaparte, Marco Polo, de Sócrates, Platão e Aristóteles. De Churchill, de Benito Mussolini. Mas, naquele sábado, apenas relatou-me sobre a situação de nosso sobrado, onde já morava, mas que faltava colocar concreto na laje da garagem, averbar a casa no INPS da época. Parece que estava a me passar recados e recomendações. Mesmo sabendo de sua condição difícil, ele fazia de conta que estava bem, poupava-nos de sofrer. E nós fazíamos o mesmo, para que ele não sofresse.
Despedi-me dele, disse-lhe que voltaria no sábado seguinte. Eu ainda não tinha carro, dependia de ônibus. Um abraço em minha mãe e começamos a descer as escadas lá detrás de casa para ganhar a rua. Escutei gritos de desespero, minha mãe chamava-me para voltar. Corri, assustado, meu pai estava com uma forte hemorragia. Chamei o Altevir Zampieri, que era nosso inquilino e tinha um táxi, um fusca branco. Peguei meu pai no colo, carreguei-o, um homem de 80 quilos estava com 35. Estava acabado, indefeso, como se a dizer: "Salve-me!"
Fomos ao Hospital Nossa Senhora das Dores, foi colocado num leito, não falou mais, apenas agonizou . O Dr. Acioli Viecelli, amigo da família, foi colega de colégio de meu irmão Ironi, autorizou a aplicação de soro e chamou-nos para o lado. Perguntei-lhe sobre as chances de meu velho e ele me disse: "Está difícil, ele não escapa". Perguntei-lhe se devia chamar minha irmã, Iradi, de União da Vitória. Disse-me que sim. Fui ao Mercado Lorenzoni e o Sr. Nelson fez a ligação para um telefone de uma vizinha de minha irmã. Pedi-lhe que viesse e assim ela o fez. Veio de ônibus, o Hiroito foi buscá-la em Joaçaba. Chegou aproximadamente às 21 horas. Quando ela pegou na mão dele, disse-lhe que tinha vindo vê-lo, ele apertou a dela e começou a partir... Pouco depois, nós o perdemos. Os irmãos Vilmar e Edimar não entendiam direito o que estava se passando. Minha mãe, desesperada. Tivemos que nos manter fortes para confortá-la.
Por um instante, agora mesmo, senti-me como se fosse aquele sábado, mas é apenas terça-feira. Revivi cada momento daquele dia. Não há como eu não chorar...
Euclides Riquetti
18-06-2013
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