quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Objetos em desuso - Lembranças de nossa infância - Cenários: Minha antiga Capinzal e Ouro

 


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          Quando criança ainda, numa de minhas férias escolares, fui passar um mês com meus avôs em Linha Bonita. Os Baretta  eram comerciantes, tinham um casarão que mais atrás servira também de pousada. E, naqueles idos de 1961, eu era bastante observador, cuidava dos movimentos das pessoas e daquilo que faziam. Lembro que,  nos domingos à tardinha, após os jogos de futebol, vinham os jovens de toda a redondeza para jogar baralho. E tomar umas "birotas". Naquele tempo não tinham geladeira, pois não tinham energia elétrica suficiente, embora a maioria das casas tivessem  um rodão d´água, que acionava um dínamo, que permitia clarear os ambientes apenas para umas duas, no máximo três lâmpadas. Então, a cerveja era resfriada num tanque de alvenaria, construído sob o assoalho de madeira, com água do poço, retirada com baldes de madeira também. E pediam para minha nona, Severina, cozinhar ovos na água, em dúzias, para matarem a fome no final de tarde.

          Lembro que um dos jovens senhores que vinham até lá era o Vitalino Bazzo, com chapéu de feltro cinza, terno da mesma cor, de um xadrez discreto. (Foi na década de 1970 que os paletós "xadrezão" entraram na moda. Combinavam com aquelas calças boca-de-sino e os cabelos longos das pessoas).  baldes do poço. E havia o Américo Módena, o Fernande Maziero, o Dirceu Viganó, o Nézio e o Vilson Rech, o Alcides Antonietto, o Nelson Falk, o Itacir Dambrós, o Valdir Baretta, que se misturavam com outros mais jovens e com meus tios. Tinham chapéu de feltro, que eram os chiques. Alguns, de palha. Comprei um aos 9 anos, quando já estava moranda na cidade e trabalhava. Lavava louça e lustrava a casa para uma prima. Com meu primeiro salário, comprei um belo chapéu.... Ah, e trabalhar não tirou nenhum pedaço de mim, não me queixo disso, mas me orgulho, pois aprendi a valorizar todas as minhas coisas.

          Na época, havia um cidadão que vinha da Estação Avaí, que ficava do outro lado do Rio do Peixe ,o Nelson Martins, e ia ver a namorada, filha de um dos muitos Barettas que ali moravam, do Serafim. E tinha algo que dava inveja a todos os outros: um par de galochas de borracha, pretas. Era um material bem elástico e flexível, um "sapato maior que envolvia um sapato menor", que não deixava que o de couro embarrasse, nem que nele entrasse umidade. E ainda tinha um guarda-chuva com as varetas de madeira, bem grande. Vinha a pé, passava pela balsa ou bote, vinha de uma distância de dois quilômetros e meio para ver a namorada. Quando passava defronte à bodega, todos o invejavam. Naquele tempo não conhecíamos ainda as capas  chuva, de nylon, que apareceram por lá apenas uns cinco anos depois. Imagine o sucesso dele se tivesse também uma capa de chuva. Ter uma, foi um de meus sonhos de adolescência, que não pude realizar, pois só "quem podia" conseguia ter uma. (Só consegui comprar um chapéu...)

          Era o tempo em que não havia tratores para trabalhar. Colhíamos trigo com foicinhas, usávamos as enxadas para carpir, as máquinas pica-paus para plantar milho. E trilhadeira alugada para colher o trigo. Havia máquinas acionadas a mão para debulhar ou moer milho. Depois vieram equipamentos a gasolina e os elétricos. Foi uma "revolução na roça".

          E, relembrando dessas coisas, das galochas que caíram em desuso, lembrei-me do cinzeiro que meu pai ganhou de uma aluna, lá do Belisário Pena, do 4º ano, a Cássia.  Isqueiro  era um presente bonito para um aniversário, dias dos pais, formaturas. (Agora, eu não daria cinzeiros ou isqueiros para ninguém).  E davam também abotoaduras, algumas combinadas com um filete metálico que prendia a gravata, tudo ornando e combinando. E, antes ainda, as mulheres usavam luvas e  chapéus, que as tornavam mais elegantes. Bonitas não, pois bonitas elas já eram, apenas que os ornamentos as deixavam mais atraentes, chamativas, engraçadas.

         Hoje os sonhos de consumo são outros, criaram outras necessidades para nós, encontraram outras formas de nos atrair, contagiar. As máquinas de escrever foram substituídas por computadores com impressoras. Muitos deixaram de fumar e dar um isqueiro ou um cinzeiro de presente é coisa muito brega e deselegante. Luvas, agora, para o trabalho,  para pilotar motos, ou proteger contra o frio. As máquinas fotográficas convencionais foram substituídas por digitais. Os filmes de película 35 mm estão dando lugar a sistemas digitalizados. As vitrolas , os gravadores de rolo ou fita, os toca-discos, deram lugar a mídias moderníssimas, chegando-se aos blue rays.

          Muitos  acessórios clássicos, tão presentes nas novelas e filmes de época e revistas  podem voltar à nossa mente nesses dias em que paramos para refletir a chegada de mais um final de ano. Pensar nos chapéus de feltro, nas abotoaduras, nas luvas das senhoras, nos isqueiros, nos cinzeiros, nas galochas, nas agulhas dos toca-discos e nos discos de vinil. Quanta coisa mudou e quanto ainda tudo vai mudar. Até as bodegas das colônias desapareceram, junto com a energia da juventude de muitos amigos que se foram ou que estão aí, resistindo ao tempo. Olhamos para trás e vemos um filme que nos traz simples, mas saudosas lembranças.  E nos resta pedir saúde a Deus, e que nossas ideias não caiam de uso, não se tornem obsoletas também!

Euclides Riquetti

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