domingo, 14 de fevereiro de 2016

De Arte, de Marília e de Dirceu

         Em nossa passagem por Ouro Preto, em Minas Gerais, ao final de janeiro, visitamos a casa onde funcionava no século XVII, uma Ouvidoria. Localiza-se a poucos metros do obelisco erigido em memória aa Tiradentes. O prédio, da antiga colonização portuguesa, abriga uma entidade que congrega pessoas que liam com arte. No andar térreo, há uma feira de artesãos locais, onde senhoras de média ou de avançada idade, produzem peças belíssimas a partir de tecidos de algodão, dentre outras coisas. Lá, conheci uma jovem de nome Luzia, muito simpática e atenciosa, que é fã do saudoso cantor gaúcho Teixeirinha, que já esteve no Rio Grande do Sul para conhecer e falar com familiares do mesmo. Ela sabe cantar suas músicas, é uma grande fã dele, o que muito me impressionou. Natural daquela cidade, não imaginei que lá houvesse que gostasse da música do maior representante da música gaúcha de todos os tempos.

          Numa observação mais detalhada, o visitante verá que a edificação não é apenas um casarão antigo, que está sendo ocupado para projetos de finalidade cultural. Estará visitando a casa onde vivei, a partir de 1778, o jurista Tomás Antônio Gonzaga, nomeado como Ouvidor Geral da Comarca de Vila Rica, hoje Ouro Preto, que nasceu em 11 de agosto de 1744. Além de seus conhecimentos jurídicos e de administrador, Gonzaga, de 40 anos, escrevia poesias. Dedicava-as a uma bela moça que conhecera. Da Ouvidoria, olhando para o Noroeste, podia avistar a casa de Maria Doroteia Joaquina de Seixas, de apenas 17 anos, e lhe escrevia poesias que viriam a fazer parte do livro "Marília de Dirceu". A família da moça, muito tradicional, não aprovava o romance,  mas aos poucos a resistência foi-se dissipando e chegaram a marcar a data para o seu casamento. Eram apaixonadíssimos um pelo outro.

              Acusado de participar da Inconfidência Mineira, foi degredado para Moçambique, onde, por conveniência, acabou casando-se  com Juliana de Sousa Mascarenhas, filha de um rico comerciante de escravos, e teve um casal de filhos. É tique que ali faleceu no mês de fevereiro de 1810, sem se precisar o dia.  Adotou o nome arcádico "Dirceu" para escrever os poemas, que dedicava à amada Maria Dorotéia, a quem chamava de Marília. "Marília de Dirceu" é considerado o melhor poema árcade brasileiro e seu autor o melhor poeta do gênero por aqui. Antes da prisão, seus versos apresentam a ventura do amor e a satisfação com o momento presente. Depois, no degredo, trazem o infortúnio, a justiça e o destino.

           Estar na casa onde o poeta  viveu e dirigir o olhar para o local onde morava sua Marília, para quem gosta de literatura, é emocionante. Remeti meus pensamentos ao tempo em que os professores Filipak e Nivaldo, na FAFI, em União da Vitória, nas disciplinas de Teoria Literária e Literatura Brasileira, nos faziam viajar pelo mundo poético. E eu, sonhador, mergulhava na literatura, devorando livro de romances e de poemas, com muita paixão.

          Os moradores de Ouro Preto contam, aos visitantes, a bela história do poeta que se apaixonou pela bela moça, cuja família, muito bem situada economicamente, não aprovava o romance porque, sendo ele funcionário público, provavelmente seria transferido para outra cidade, e não queriam afastar-se da filha. Porém, o envolvimento dele com um grupo de escritores e intelectuais, que usavam pseudônimos para escrever cartas e documentos contra o Império, despertou a ira do Governo Português e ele foi deportado.

        De linguagem simples e descrevendo o ambiente bucólico, escolho extrair de "Marília de Dirceu!:

PARTE I

Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’ expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
Valeu a pena conhecer uma cidade de tantos encantos, arte, e berço do arcadismo no Brasil.
 
Euclides Riquetti
14-02-2016

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