terça-feira, 17 de novembro de 2015

Revisitando o Deus Negro


          Não sei o porquê de hoje ter-me voltado à década de 1970, uma das mais produtivas de minha vida. Mas algo me impeliu a retornar a ela e, por conseguinte, relembrar de como era a vida dos jovens. Eu queria estudar, fazer uma carreira, construir uma vida digna, ter confortos que não tive antes, "ser alguém". E então  lembrei-me de pessoas que me apoiaram, me ajudaram... e também dos que me jogavam na vala da "ninguenzada".

           Quanta coisa contabilizei naquela década: Fiz 18 anos, terminei o curso de Técnico em Contabilidade, passei no vestibular, mudei de cidade, de estado, de trabalho, badalei muito, namorei,  terminei meu curso de Letras/Inglês, casei-me, tirei carteira de motorista, comprei meu primeiro carro, fiz concurso para professor, fiz minha casa, tive duas filhas, gêmeas. Ah, e escrevi algumas poesias que acabei jogando no lixo. Como gostaria de reavê-las! Apenas duas salvei, porque foram publicadas num livro, em União da Vitória e me restaram "Tu" e "Uma Oração para Você", esta muito significativa, que compus no verdor de meus 20 anos...

          Naquela década,  usávamos cabelos compridos, calças boca-de-sino e mais adiante pantalonas, camisa xadrez ou com estampas florais,  meias vermelhas, perfume Lancaster ou Pretty Peach. E, quem conseguia obter,  calça Lee ou Levi´s importada, indigo-blue. Era bacana ter jaquetas Lee ou então verde-oliva, a cor do Exército Brasileiro. Comprávamos distintivos "US Army" ou "Marinner", que aplicávamos nos ombros das jaquetas,  e isso era marca de prestígio perante a galera. Alguns conseguiam umas camisetas de malha de algodão que tinham a inscrição: "University of Californy" ou "Columbus University". Isso significava sucesso garantido.

          E as mulheres? Bem, a maioria delas também usava roupas assim, unissex. E a minissaia dos anos 1960 e as saint tropez  acabaram  substiuídas  por shorts curtos, aquelas meias "cabaret" e botas de cano médio ou longo. E, a partir de 72,  aquela onda de, no inverno, usar blusa de tricô e meia da mesma lã e das mesmas cores.

          Nos cinemas Guiliano Gemma fazia o Ringo derreter os corações das mulheres e as múscas italianas e  francesas que vinham nos compactos simples ou duplos e nos long-pays imperavam nas rádios.  A onda "inglês" veio meio junto, com  "The Beatles" em seu rock.

          Mas a grande onda da década veio por conta de uma ofensiva da Igreja Católica no sentido de mobilizar as novas lideranças jovens e reanimar as já maduras para suas lides religiosas.  Começaram com o cursíhos, obra iniciada na Espanha bem antes do que no Brasil.  Nunca participei de um, mas muitos amigos meus fizeram parte de ações cursilhistas. Jovens que optaram por deixar o seminário passaram a atuar como professores ou engajando-se nas atividades da Igreja. Inteligentes e com boa formação,  eram bons exemplos a serem seguidos.

         Foi nessa época que o corumbaense que foi para São Paulo aos 16 anos, Neimar de Barros, deixou o trabalho de junto à TV do Sílvio Santos, onde dirigiu os programas "Cidade Contra Cidade" e "Boa Noite Cinderela" e converteu-se de ateu para Católico Apostólico Romano. Tornou-se escritor poeta e pensador,  e passou a ter forte liderança dento da Igraja Católica. Visitou mais de 4.000 comunidades religiosas e vendeu mais de 4 milhões de exemplares de seus mais de 10 livros que escreveu nas línguas portuguesa e espanhola.

          Em 77, quando eu me iniciava efetivamente no Magistério Catarinense, na Comunidade de Duas Pontes, hoje município de Zortéa, em Santa Catarina, a moda  era ler "Deus Negro", de Neimar de Barros. Logo depois surgiram outros livros dele e o que mais chamava  atenção era "O Diabo é Cor-de-rosa". Todos liam, recomendavam, iam passando adiante a idologia, o pensamento do convertido autor. E, em seu rastro,  também vinha o Artur Miranda, que conheci lá na Casa Paroquial de Capinzal.
          Em 1986 Barros concedeu uma entrevista à Revista Veja que fez grandes estrondos nos meios religiosos brasileiros. Declarou que estava infiltrado na Igreja a serviço da maçonaria ( o que nunca foi comprovado, acho que foi invencionismo dele), que estava descobrindo os podres da mesma e disposto a revelá-los para o mundo. E declinou diversas "vergonhas" que estariam acontecendo nos meios eclesiásticos. A repercussão foi das piores.

         Eu tinha lido justamente os dois livros que mencionei, entrei na onda da época, era imaturo, não tinha propriedade sobre minha opinião ainda. Fiquei muito revoltado com ele e mesmo os comentários que li sobre ele, oriundos de seus admiradores internautas, não me fizeram mudar em relação ao péssimo conceito que formei a seu respeito. Acho que ele foi ou oportunista, ganhando muito dinheiro e se promovendo em cima da de nossa Fé, ou  um baita enganado,  que usou de meios pouco legítimos para atingir  seus nebulosos objetivos.

          Acho que de bom alguma coisa restou nessa história:  muitos jovens, na época, foram surgindo como lideranças nas cidades, alguns que se conheceram nesses encontros até constituíram família, tornaram-se importantes gestores públicos e privados, emprendedores, educadores. Enfim, essa geração teenager que tornou-se adulta  naquela década, deixou filhos com elevado nível de formação pessoal e intelectual que estão espalhados pelo Brasil e pelo mundo,  fazendo sua parte no contexto de nossa história.

          No ano passado, dia 06 de maio, bastante debilitado em função do Alzaimer de que estava acometido, Neimar de Barros veio a falecer. Sua morte passou em branco. Não pela doença, mas por ter sido rejeitado pelos eus fãs em razão da falta de coerência entre o que pregou e o que deixou de concreto como exemplo. Caiu no ostracismo e os brasileiros o esqueceram. Só lembram de seu nome os pré-idosos que viveram em seu tempo. Os outros, só conhecem o Neymar que joga no Santos, baita craque de bola!

Euclides Riquetti
27-02-2013

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