Dizem que o Galo Velho é sempre o mais respeitado, ainda mais se for Galo de Terreiro. Terreiro dos arredores das casas, não daquele que você provavelmente pensou. Lá ele canta de galo de dia e de noite. De dia, para mostrar-se imponente e majestoso diante das galinhas, das frangas, pintainhas, das galináceas, enfim. Se for Galo de Rabichos, então, com toda aquela elegência, crista elevada e bem vermelha, olhos curiosos e radarizados, pescoço de periscópio, penachos brilhantes que partem das cores do cavalo zaino até a negritude das pelagens dos mais velozes puros-sangue, então ninguém segura. Meta-se com ele e vai ver o que é bom pra tosse! Se estiver pensando em sacá-los, os rabichotes, para por numa peteca de palha de milho, vá com cuidado. Esporas afiadas esperam por você!
Pois que um galo desses houve de morrer e... morreu. E, morrendo, foi parar num lugar que não era céu nem inferno. Era uma "Casa da Mãe Joana" acho, mas não tenho certeza. Lá cada galinha e cada galo fazia o que queria, era uma democracia bagunçada em que quem falava mais alto mandava e "quem tinha juízo" obedecia, como diz o ditado. O Galo Eusébio, lá chegando, deixou sua mochila cheia de quireras de milho por sobre um tronco de madeira. Começou a estudar a situação e viu que cada galo já tinha seu feudo bem dominado. E, os mais vistosos, eram assediados por muitas frangas e galinhas. As pintainhas que morreram precocemente eram respeitadas, nenhum cocó velho queria ser tachado de pedófilo.
Pois o Eusébio deu umas "bisoiadas" pelos cantos e viu que havia uns terreiros desocupados naquele latifúndio improdutivo. Reconheceu a Tiloca, uma franguinha deliciosa com quem já "contracenara em vida". Pensou em "ficar" com ela. Namorar sério não, pois vai que apareça alguma novidade, uma nova carne branca no pedaço, sem colesterol, e tenha que assumir compromisso maior. Melhor não se comprometer com a Tiloca, companheira de outras jornadas.
"Você aqui, seu velho turrão?! Pensou que ia ser eterno?", falou a gracinha. Eusébio disse que falasse baixinho, que era pra não dar vexame, que iam pensar que eles eram caipiras, gente criada no mato, à base de radicci e de morder cascas de melancia. Por comum convenência acertaram de respeitar-se, "para o bem de todos e felicidade geral da nação", como diria o Galo Pedro.
Mas isso não impediu a moçoila de tirar umas casquinhas: "Sabe, Galo Velho, escutei na Rádio Catarinense, no Programa da Alegria, do Amarildo Monteiro, lá de Joaçaba, uma propaganda que tinha "Galo Velho" em promoção num supermercado a R$ 1,49 ao quilo. Vocês estão em baixa, é uma vergonha pra vocês, que sempre se acham tão soberanos e absolutos. Coxinha de franga jovem como eu, bonita, teudinha, vale, no mínimo, uns R$ 7,00. Até as asinhas nossas, que antigamente chamavam de Tulipas, e que agora chamam de "meio-da-asa", estão pra mais de Dez Reais. Estamos muito valorizadas".
Eusébio ficou indignado com o que a raça humana vinha fazendo com sua classe, desmoralizando-a. Pois os perus estão aí valendo uma nota e os galos totalmente desvalorizados. Uma afronta à dignidade "humana" dos galináceos de grande porte. Se um dia voltar à terra, vai criar um sindicato que os defenda no pós-morte. Desde pintinho, o Galo Cidadão precisa ir sendo educado, preparado e protegido, sindicalizado, para que não façam piadas com ele.
Matutou: "Pensando bem, elas têm razão. Na vida terrena, os galos são "os tais". A palavra galinha é usada muito pejorativamente, e tantas vezes injustamente, enquanto os galos são laureados. Há as exceções, os caras galinhas, da raça humana, metidos a querer todas... mas isso é problema deles. Melhor não confundir a cabeça, deixar a crista tomar sol e ar fresco..."
E lembrou-se de que há coisas ainda piores. No domingo pela manhã, no Programa do Tchê Mendes, na mesma emissora, este falou: "Cada ovo comido é um pinto perdido!" É uma criativa e cheia de lógica filosofia de parachoque de caminhão. Mas, pensando bem, melhor ser um Galo Velho vendido em promoção na velhice do que um ovo comido! Ou, será que eu estou errado? Figura te, Richetti!
Euclides Riquetti
04-02-2014
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