sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Vai, Cafu!

 


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          O Cafu era meu vizinho quando nossas meninas tinham apenas um ano de idade. Era  pedreiro, trabalhava aqui e ali, em Ouro. Morava num anexo a um açougue desativado, do Benjamim Mioqueloto, há uns 8 metros de minha casa. Pois o Cafu tinha duas paixões: Uma menina e um menino,  e um time de futebol: O Inter, de Porto Alegre.

          Tinha bandeira do Inter, camisa vermelha do Inter, fotografias tiradas no Baira-Rio com os jogadores do Inter. Seu compadre, Dr. Vicente o levou lá para conhecer o estádio e os jogadores, e ele  tirou fotos com o Capitão Figuerôa, Falcão, Batista, Caçapava e Escurinho, todos craques daquele timão que fora campeão gaúcho numa grande sequência de vezes,  e ainda brasileiro. Numa das fotos tinha o Marcelo, um menino magrelinho, cabelos claros, filho do nosso médico. Até hoje esse menino, que agora já é bem adulto, posta fotos do Clube Gaúcho de seu coração na internet.

          O Dr. Vicente tinha um Fordeco. Um Fordeco, na década de 1970, inspirava charme e saudosismo. Equivalia a, hoje, ter um fusquinha daquele modelo que fabricaram até 1969, com aqueles parachoques cromados, que na hora de lavar davam mais mão-de-obra do que os que fizeram a partir de 1970. Gostava de desfilar com os filhos pelas ruas calçadas com paralelepípedos de Capinzal e Ouro. E, quando o Inter ganhava um campeonato, e ganhava muitos, comemoravam andando com o F-29.

          Mas, como não me propus a escrever sobre fuscas e sim sobre o Cafu, devo dizer que ele herdou o apelido graças ao de um ponteiro-direito muito veloz que jogava no Fluminense. Como ele trainava na mesma posição no Arabutã, o pessoal lá da Baixada Rubra, na antiga Siap, assim o apelidou. E, por uma acomodação da linguagem, uma corruptela da palavra, acabou se tornando o Cafu. "Cafú", pronunciado assim, mas sem acento, que a regra gramatical não permite.

          O Cafu recebia muitas visitas em sua moradia acanhada. Mas a esposa dele dava um jeito de tratar todos muito bem. Dona Eva resolvia tudo, até fazia o chimarrão. E o Cafu, na boa, sentava numa das cadeiras de palha, daquelas que o Fongaro produzia lá no Alto Algre, e acomodava o visitante. E, visita bem tratada, volta sempre. Quando chovia, era visita na certa, pois pedreiro que se preza não trabalha em dia de chuva, ainda mais se tem risco de asma. E outra coisa que não falta na caixa de ferramentas é o radio de  pilhas. Motorrádio, de preferência, com 4 pilhas médias. Pega de tudo. Até canarinhos, pombas, arapongas...

          Acomodado o visitante, a segunda parte era  a mostra do álbum  de fotografias. Virava cuidadosamente cada página, mostrava, explicava. Pois tinha até uma foto do Fordeco do Dr. Vicente, uma relíquea, com  bancos bonitos, lustrinho, rodas com raios cromados, até buzina tinha... E muitas dos jogadores do Inter.

        E, quando seu time perdia, abaixava a cabeça e ficava emburrado. Pegava um martelo e coitado  do prego que aparcesse na frente: era pancada em cima de pancada. A cerca da mangueira do açougue era o equipamento certo para suportar sua ira.

          Num em dia que foi fazer uma consulta, com o Dr. Vicente, é claro, me aparece em casa com uma caixa de papelão comprida. Eu não perguntei nada, pois cada um de nós cuidava de sua própria vida. No vidro de uma das janelas, colava santinhos do candidato adversário do meu nas eleições, provocava. Mas eu não entrava na dele... Nossa amizade era uma coisa, a política era outra. E ele era do Inter e eu do Vasco...Eles tinham o Falcão e nós tínhamos o Roberto Dinamite, que ainda não virara espoleta.

          No outro dia, quando volto da Escola onde lecionava, uma big de uma antena sobre o telhado. Pensei: "O Cafu comprou um televisor. Legal, agora a Eva vai ver novelas e as crianças vão ver o Balão Mágico. E ele o futebol".

          Na primeira oportunidade, entabulei conversa: "TV nova, Cafu?"

          "Não! É uma antena de FM. Não é de TV. Comprei um rádio FM e vou escutar a Transoeste FM, de Joaçaba. A antena é pro rádio!"

          Argumentei porque ele não comprou uma geladeira, então, que ainda não tinha. (Eu devia ter ficado quieto e não me metido na vida dele...)

         E ele respondeu-me: "A minha já tá chegando. Mais uma semana e você vai ver quanto frio vai fazer a partir de junho. Quem precisa de geladeira com um frio desses que vem aí?!"

         Esse era o Cafu!  Andei assuntando e me parece que se abriga  ali pelas bandas de Herval d ´Oeste. Ainda não obtive o endereço, mas vou encontrá-lo uma hora dessas. Quero ver aquele álbum com aquelas valiosas fotos dos maiores craques que o Inter já teve. E rever o Cafu e, de repente, reencontar suas crianças, que já devem estar bem grandes!

Euclides Riquetti
02-06-2013

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