quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Breca lá, Riquetti!

Mais lembranças...
          Jogadores de futebol são muito dados a falar gírias. Os boleiros estão sempre inventando expressões  ou modificando significados delas. Por exemplo, dizem "hoje tá uma lua muito doida", pra dizer que está fazendo muito sol durante o treino. Todo o treinador é chamado de "Professor", mesmo que não tenha concluído o antigo primário. Chamam também de professor o árbitro. E a galera o chama de ladrão e gaveteiro.

          Não há torcedor que tolere goleiro frangueiro, canela dura, e nem firuleiro.  Zagueiro furão ninguém quer. A galera não perdoa.  Zagueiro bom é aquele que, no apuro, dá bicuda. Atacante que dá bicanca é grossão, mas quando faz tento vale do mesmo jeito. Cartola "se achão", então, que se mude. A estrela tem que ser o da grama, não o da tribuna.

          Quando era pequeno jogava num campinho abaixo da ponte nova, no Ouro. E no campo da rede ferroviária, onde é a Praça da Rodoviária, em Capinzal. Jogava de conga porque não tinha grana pra chuteira. Depois, em União da Vitória, na república, tínhamos um campinho ao lado de casa onde jogávamos nos finais de semana. Ali aprendi a amolecer a canela, até consegui ter uma certa habilidade.

          O Gilmar Rinaldi jogou conosco no campinho ali do Ouro.  Já era goleiro. Tinha camisa amarela, igual à do Raul, goleiro do Cruzeiro. Ninguém achava que viraria astro, mas virou. Jogou no Inter, no São Paulo, na Udinese, num clube do Japão e no Flamengo. Agora é empresário de boleiros. Rompeu com o Adriano Imperador (isso dispensa comentários...).

          Voltando ao Paraná: Uma vez fomos jogar no Campo do São Bernardo, em União da Vitória. O Boles era nosso centroavante. Corria mais que lebre. Ele coiceava a esfera do meio para cima, então ela ia rolando. E ele corria atrás, às vezes chegando antes do que a bola.  Uma vez deu o chute e saiu correndo junto com a pelota. Correu tanto que chegou à  trave antes que ela.  Ela bateu atrás das canetas dele e voltou para a área, enquanto que ele foi para dentro das redes. E nós zoamos muito dele.

          Na república de estudantes tínhamos um colega que era nascido em Lacerdópolis, no tempo que este pertencia ao Distrito de Ouro e Município de Capinzal. Ele tinha jogado no Iguaçu como profissional Jogou numa célebre partida em que empataram com o Atlético Paranaense em Curitiba, em 1972, no estadual. Diz que o azar dele foi o tião Kelé, que voltou do México e fez gol nele do bico da área ao seu lado esquerdo. Chutou cruzado. Disseram que se ele tivesse 1,90 não tomaria o gol. O Kelé azarou a carreira dele. Jogou bem mas foi dispensado no final do ano. Alegaram que ele tinha pouca altura para goleiro. Foi jogar futsal e trabalhar na Casa do Bronze. Agora tem sua loja de carros.

          Quando fazíamos nossas peladas no campinho da Rua Professora Amazília, ele gritava: "Riquetti, breca lá!" E eu brecava, não deixava o adversário passar. Desde então apelidamos ele de Breca. Era a gíria do Bugão, do Nire, do Duda, do Jaime Rotta  e do Tanque Joaquim lá no Iguaçu. O Celso Lazarini é "Breca" até hoje.

          O Nivaldo "Bode" Dambrós foi goleiro da AMFO no campo da Linha Sagrado, no Ouro. Fomos inaugurar a ampliação. Um cara "da casa" chutou forte. Ele pensou que o balão de couro ia para fora e nem se mexeu. A bola deu no travessão, voltou, bateu atrás da cabeça dele e foi por cima da trave. Evitou o gol, sem querer. Foi saudado como herói.

          Uma vez, lá no Arabutã, eu estava jogando com raiva. Tinha um painel de propaganda do Besc às minhas costas. Estava há 60 metros da baliza, fiz  um gol do meio da rua. Enfiei um canhão com a gamba esquerda e o goleiro foi buscar a pelota no fundo da cozinha. Comemorei muito, pois eu era lateral direito. Em 22 de julho de 1984 quebrei a perna quando estava na quarta zaga. Saí pra deixar o Tita na banheira e o Vinte Cinco deu condições de jogo prum  pelego. Fui mandar a bola pro mato mesmo que o jogo não fosse do campeonato, e meu goleiro me atingiu. Foram três quebradas, uma de tíbia e duas de perônio. O Mafra e o Farid me levaram pro gesso em Jç. Muita dor e seis peses no estaleiro. Depois O Mafra foi pra Floripa e o Farid virou vice-prefeito de Capinzal. Mas quando eu era pequeno era muito perneta, canela seca e dura. Era um baita pé torto. Com a idade fui aprendendo a jogar. Mas da daí as pernas foram ficando muito curtas e o campo muito comprido.

          Próximo de decisões de classificação cuidam dos boleiros para que não aceitem nada dos malas pretas. É vergonhoso. Ninguém tolera quem dá migué, pois deixa os amigos no compromisso. Boleiro que se preza dá o sangue no campo, sua a  camisa e reza pro seu pai-de-santo. Mas a maioria tem fé em Nossa Senhora, de preferência a Aparecida.  Quando a coisa fica preta, no entanto, exclamam: "Santo Deus, joque sério!" ou "Jesus Cristo, mexa-se!" Mas quem tem que fazer isso é o jogador, não Deus nem Jesus. Quando tem  muita lua no céu, no verão, pedem: "São Pedro, manda umas gotas daí de cima!"

          Bem, lembrar de algumas das muitas histórias de boleirinho me traz saudades. Saudades do Caburé, do Paciência, do Jota Bronquinha, dos Coquiara, do Inferninho, do Foguete, do Flamenguinho, do Nêne, do Sapuca,  e de muitos outros. Alguma hora dessas me atrevo a dizer quem foram esses. Enquanto isso, "Breca lá, boleiro!"

Euclides Riquetti
18-02-2013

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