Dizem que cada um precisa cuidar de seu telhado. Do meu telhado capilar, de que eu tanto gostava, cuidei muito. Mesmo assim o ventou o levou. Jogar pedras no telhado dos outros é fácil, mas é preciso cuidar do próprio telhado. Porém, onde há um telhado, tudo pode acontecer. Por sobre eles, passam pássaros e aviões. Por debaixo deles, confidências, conflitos, intimidades... Mas, quando passam através deles, o que pode acontecer?
Telhados são todos telhados. De chapas de cimento amianto, de madeira, de peças de cerâmica, de concreto, de telhas de barro brasileiras, francesas, romanas. Ou de palha, fibras, latões, alumínio, zinco. Ou de vidro... Ah, esses são os mais vulneráveis...
O Laurindo Biarzi foi caminhoneiro da Comercial Baretta desde a década d 1960, quiçá 50. Trabalhou com os caminhões da empresa do seu Severino, mas que as pessoas chamavam de Silvério. Era primo de meu avô Victório Baretta. O último caminhão era um daqueles Mercedes-Benz LP331, um brutamontes de caminhão para a época, trucado. Viajava para São Paulo. Asfalto, só depois de Curitibanos. Antes, só estrada de chão batido, com pouco cascalho. Em dias de chuva, correntes nos pneus traseiros.
Já em 1970 ele trabalhava com uma carreta dois eixos, Scania-vabis 75, cor laranja, tanque tansportador de combustível do Posto Esso, dos Irmãos Dambrós. Ia a Porto Alegre, levando tábuas de pinho sobre o tanque. (Hoje isso é probido). Retornava trazendo combustível: gasolina e óleo diesel. Para o Posto Ipiranga, com uma carretinha cor marfim, de apenas um eixo, MB 1313, do Sr. João Flâmia, fazia o mesmo o Valêncio José de Souza, liderança incontestável dos tempos autuais em Capinzal, empresário premiado.
Nossa personagem, Laurindo, tinha um jipe Willys 54, verde-garrafa metálico, uma verdadeira relíquia. Ia às festas na colônia do Ouro, com a esposa. Sempre estava presente. Até faixa branca tinha nos pneus. Cuidava muito do jipe! Na maturidade, desfez-se do jipe, aposentou-se e comprou um automóvel. Tinha a garagem entre sua casa e a Escola Prefeito Sílvio Santos, onde eu lecionei até 2008.
Mas foi lá pelo início do novo milênio que nossos alunos estavam muito "impossíveis". Gostavam de fugir da aula. Que novidade!!! Para eles, era um desafio enganar direção e professores. Acho que não era tanto por fugirem mas por sentirem o gosto de nos terem enganado...
Pois bem, uma noite combinamos de que os professores iriam perfilar-se ao longo do muro para ver quem iria fugir. Era uma quarta-feira, dia de balada. E tivemos que rir muito: três meninas levaram uma cadeira e duas conseguiram pular o muro. A mais "fofinha" não conseguiu e teve que voltar. Estava difícil fazer o corpo ir para o lado da rua. Ela sentiu-se injuriada... (Lembrei-me de uma vez em que fugi da aula de Inglês do Professor João Bronze e esqueci o guarda-chuva na sala. Tive que voltar, pedir dsculpas e ficar até o final da aula. Como é que eu iria explicar em casa que havia perdido o guarda-chuva? Em 1968 um bom deles custava uma baita nota...)
E os meninos? Bem, os pequenos varões foram para o muro lateral, subiram, foram sobre o telhado da garagem do Laurindo e... caíram dentro da garagem. Foi-se o telhado! Foi um escândalo.
Houve pânico e preocupação na casa do homem. Telefonou para o 190, veio a Polícia que estava em ronda ali próximo e focou a lanterna na cara deles. Foi um desespero. Não sei se ficaram assim porque quebraram o telhado ou porque nós os vimos e os colegas zoavam deles.
Serenados os ânimos, veio a negociação. Prometeram que pagariam o estrago. E o Laurindo, gente boa, estava a fim de aceitar. A esposa, não! Dizia ela: "Olha, velho, você sempre confiou nos outros e sempre levou na cabeça. Não tem acordo. Eles pagam o estrago e vão embora. Se não, vão pra cadeia!"
E os meninos, todos filhos de amigos e conhecidos do Laurindo?! E o Laurindo, na dúvida: "Se deixar irem, a mulher briga comigo. Se não deixar, não confiar neles, como é que vai ficar sua situação perante os pais deles, seus amigos?"
Somente depois de muito diálogo, algum choro, (muito choro falso), convenceram a esposa dele a liberá-los, sem cadeia, sem delegacia. Dias depois, lá estava o Laurindo reclamando na escola que quebraram o telhado da garagem, até o carro ficou riscado na lata e ninguém pagou nada...
Não sei bem qual foi o desfecho, mas os anos de exercício do magistério me fizeram presenciar muitas histórias desse tipo. E, hoje, quando encontro meus ex-alunos na rua, quanta alegria, quantas boas lembranças daqueles velhos e saudosos tempos! Ah, se os problemas do mundo fossem tão simples assim...
Euclides Riquetti
20-02-2013
Telhados são todos telhados. De chapas de cimento amianto, de madeira, de peças de cerâmica, de concreto, de telhas de barro brasileiras, francesas, romanas. Ou de palha, fibras, latões, alumínio, zinco. Ou de vidro... Ah, esses são os mais vulneráveis...
O Laurindo Biarzi foi caminhoneiro da Comercial Baretta desde a década d 1960, quiçá 50. Trabalhou com os caminhões da empresa do seu Severino, mas que as pessoas chamavam de Silvério. Era primo de meu avô Victório Baretta. O último caminhão era um daqueles Mercedes-Benz LP331, um brutamontes de caminhão para a época, trucado. Viajava para São Paulo. Asfalto, só depois de Curitibanos. Antes, só estrada de chão batido, com pouco cascalho. Em dias de chuva, correntes nos pneus traseiros.
Já em 1970 ele trabalhava com uma carreta dois eixos, Scania-vabis 75, cor laranja, tanque tansportador de combustível do Posto Esso, dos Irmãos Dambrós. Ia a Porto Alegre, levando tábuas de pinho sobre o tanque. (Hoje isso é probido). Retornava trazendo combustível: gasolina e óleo diesel. Para o Posto Ipiranga, com uma carretinha cor marfim, de apenas um eixo, MB 1313, do Sr. João Flâmia, fazia o mesmo o Valêncio José de Souza, liderança incontestável dos tempos autuais em Capinzal, empresário premiado.
Nossa personagem, Laurindo, tinha um jipe Willys 54, verde-garrafa metálico, uma verdadeira relíquia. Ia às festas na colônia do Ouro, com a esposa. Sempre estava presente. Até faixa branca tinha nos pneus. Cuidava muito do jipe! Na maturidade, desfez-se do jipe, aposentou-se e comprou um automóvel. Tinha a garagem entre sua casa e a Escola Prefeito Sílvio Santos, onde eu lecionei até 2008.
Mas foi lá pelo início do novo milênio que nossos alunos estavam muito "impossíveis". Gostavam de fugir da aula. Que novidade!!! Para eles, era um desafio enganar direção e professores. Acho que não era tanto por fugirem mas por sentirem o gosto de nos terem enganado...
Pois bem, uma noite combinamos de que os professores iriam perfilar-se ao longo do muro para ver quem iria fugir. Era uma quarta-feira, dia de balada. E tivemos que rir muito: três meninas levaram uma cadeira e duas conseguiram pular o muro. A mais "fofinha" não conseguiu e teve que voltar. Estava difícil fazer o corpo ir para o lado da rua. Ela sentiu-se injuriada... (Lembrei-me de uma vez em que fugi da aula de Inglês do Professor João Bronze e esqueci o guarda-chuva na sala. Tive que voltar, pedir dsculpas e ficar até o final da aula. Como é que eu iria explicar em casa que havia perdido o guarda-chuva? Em 1968 um bom deles custava uma baita nota...)
E os meninos? Bem, os pequenos varões foram para o muro lateral, subiram, foram sobre o telhado da garagem do Laurindo e... caíram dentro da garagem. Foi-se o telhado! Foi um escândalo.
Houve pânico e preocupação na casa do homem. Telefonou para o 190, veio a Polícia que estava em ronda ali próximo e focou a lanterna na cara deles. Foi um desespero. Não sei se ficaram assim porque quebraram o telhado ou porque nós os vimos e os colegas zoavam deles.
Serenados os ânimos, veio a negociação. Prometeram que pagariam o estrago. E o Laurindo, gente boa, estava a fim de aceitar. A esposa, não! Dizia ela: "Olha, velho, você sempre confiou nos outros e sempre levou na cabeça. Não tem acordo. Eles pagam o estrago e vão embora. Se não, vão pra cadeia!"
E os meninos, todos filhos de amigos e conhecidos do Laurindo?! E o Laurindo, na dúvida: "Se deixar irem, a mulher briga comigo. Se não deixar, não confiar neles, como é que vai ficar sua situação perante os pais deles, seus amigos?"
Somente depois de muito diálogo, algum choro, (muito choro falso), convenceram a esposa dele a liberá-los, sem cadeia, sem delegacia. Dias depois, lá estava o Laurindo reclamando na escola que quebraram o telhado da garagem, até o carro ficou riscado na lata e ninguém pagou nada...
Não sei bem qual foi o desfecho, mas os anos de exercício do magistério me fizeram presenciar muitas histórias desse tipo. E, hoje, quando encontro meus ex-alunos na rua, quanta alegria, quantas boas lembranças daqueles velhos e saudosos tempos! Ah, se os problemas do mundo fossem tão simples assim...
Euclides Riquetti
20-02-2013
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