Décima Oitava Crônica do Antigamente
Já me referi, anteriormente, aos périplos de meu pai, Guerino, no final da década de 30 e início da de 40 do Século Passado, em São Paulo, depois de ter fugido do Seminário São Camilo, onde era noviço e cursava Filosofia, já usando batina.
Bem, como relatei, um mascate português prometeu-lhe que, se reunisse algum dinheiro, o traria de volta a Santa Catarina, ao Distrito de Ouro, em Linha Bonita, onde seus pais deveriam estar residindo. Conseguido o dinheiro para a viagem, vieram de trem, pela Rede Viação Paraná Santa Catarina, atravessaram o Rio do Peixe em balsa existente na Estação Avaí, 10 Km ao Sul da Estação Rio Capinzal. Foram a pé, carregando suas malas, retangulares, duas para cada um. Atravessaram o Passo do Rio do Peixe, passando pelas propriedades dos Teixeira Andrade, de Victório Baretta (que mais tarde se tornou meu avô), Serafim Baretta, Ambrósio Baretta, Francisco Zanini, Constantino Bressan, Abramo Colombo, Joaquim Casara, Angelim Baretta, Elias Baretta e, finalmente chegaram à de Frederico Richetti, seu pai, depois meu avô paterno. As pessoas olhavam curiosas para aquele mascate e o rapaz, que parecia conhecido, um moço de olhos castanhos esverdeados, magro, alto, de caminhar firme, gestos elegantes. Algumas informações buscadas com pessoas que encontrava, das quais nem mais lembrava direito, e os locais não se atreviam a perguntar-lhe quem era, embora imaginassem ser Guerino, o seminarista.
E então, 11 anos depois de ter saído de casa, chegam ao portão da propriedade cercada de taipas capichosamente feitas com pedras irregulares manualmente assentadas e alinhadas, que seguiam pelo plano próximo ao riacho e se estendiam morro acima, perdendo-se por entre as árvores verdes de um capão ao alto, onde os animais costumavam franquear-se, fazendo inveja aos mortais que tinham que trabalhar de sol a sol. O portão de madeiras falquejadas, com ferragens malhadas numa ferraria colonial da Coxilha Seca, foi transposto com expectativa, com os olhos do jovem buscando descobrir algum familiar, possivelmente Dona Genoveva Píccolli Richetti, a mãe. Após uns 150 metros caminhados, foi possível visualizar sua mãe, magra, rosto sofrido, olhos fundos, meigos, lenço amarrado na cabeça, protegendo os cabelos castanhos. Foi de muita emoção o encontro dos dois: o abraço, as lágrimas de alegria, " l´era lo figlio perduto que a casa ritorneva". Alegria incontida, a "corneta" berrando para atrair para casa o pai e os irmãos que estavam na roça, os gritos de alegria ecoando pelo vale e chamando a atenção da vizinhança.
A "Mama Genoeffa", que era a pronúncia italiana para Genoveva, mal pode acreditar que o filho retornara, pois quando este figiu do seminário e dele não mais teve notícias, julgava que estivesse ido para a Itália, na Força Expedicionária Brasileira, e que lá tivesse perecido. Uma vez lera uma reportagem n´O Correio Riograndense, jornal que ainda hoje circula no meio rural, editado em Caxias do Sul, sobre um "figlio perduto", em que uma mãe chorava sua perda na Guerra. Ela pensara que o mesmo havia se sucedido com seu Guerino.
Foi uma semana de festa na propriedade, lá onde hoje mora o primo Nelson Baretta, irmão do Chascove. Ninguém trabalhou naqueles dias, apenas tiravam o leite das vacas e alimentavam os animais. Abateram-se porcos, ovelhas e até bois. A comunidade foi convidada a festejar a volta do filho. Muito vinho e muita gasosa. Dizem que por lá esteve uma filha do Victório Baretta, comerciante, de olhos bem verdes, bonita, dois anos mais jovem do que ele, e que foi "amor à primeira vista". Foi, sim, minha mãe, Dorvalina, casou-se com ele um ano depois, e tiveram seis filhos, sendo eu o segundo deles. Ah, posso parodiar um renomado escritor e dizer: "fui fruto de uma marretada que um noviço deu no dedão do pé de um colega de seminário"... Ainda bem!
Euclides Riquetti
19-06-2012