Ouro - SC - Neve 1965 - foto arquivos RC -
Vista da Ponte Pênsil - antes do Rio, alojamentos
da Empresa Castello Branco S/A - que estava
restaurando a RFFSA
Capinzal SC - Neve 1965 - foto arquivo RC
Rua XV de Novembro - aos fundos OURO SC
antes do povoamento do Morro de Navegantes
Relembrando de Ouro e Capinzal... nestes dias muito frios no Sul do Brasil, 56 anos depois...
Quando se fala em épocas em que as pessoas viveram, ou mesmo para estimar quantos anos viveram, muitos têm o hábito de dizer: "A fulana (ou o fulano), viveu mais de 100 anos, porque sempre me dizia que tinha presenciado x florações das taquaras". Bem, uma pessoa que deve ter vivido muitas florações das taquaras foi o "Caboclo Estevão", que morou em Pinheiro Baixo, Ouro, e era homem de confiança de um de nossos pioneiros, o Veríssimo Américo Ribeiro, carroceiro. O Estêvão teria vindo com o colonizador da região de Vacaria-RS, trabalhou com os Ribeiro e depois foi para Bonsuecesso, e os que o conheceram dizem que ele era uma pessoal leal e bondosa. Guardo comigo uma foto dele, cedida pelo amigo João Américo Ribeiro, que cuida da propriedade da família em Pinheiro Baixo. Ele deve ter vivido mais de 100 anos... O caboclo tinha uma mão enorme. (O Benito Campioni, irmão da Márcia, minha colega de trabalho, também tem uma mão daquelas de segurar e derrubar boi no chão). Quando o encontro, brinco muito com ele sobre isso, meu ex-vizinho, gente boa.
Esse intróito todo, fi-lo para chegar ao assunto do título: as neves que tive o prazer de presenciar, e que marcaram, de alguma forma, a minha vida. Mas, diferentemente das florações das taquaras, ela não tem um ciclo definodo para vir.
O inverno de 1965 foi muito forte no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Eu tinha doze anos, estudava no Ginásio Padre Anchieta, e começou a fazer muito frio naquela estação. Tínhamos uma casa nova, de madeira, bem desenhada, ali na Felip Schmidt, ao lado da Indústria de Bebidas Prima, onde produziam refrigerantes e engarrafavam vinhos e outras bebidas. Quando fizeram o "engarrafamento", escavaram o terreno e deixaram um barranco, que com as chuvas que precederam o inverno foi desmorronando, pondo nossa casa em risco de desabamento. Na noite do dia 19 para 20 de agosto, fazia muito frio. De manhã, meu pai, Guerino, acordou-nos cedo para vermos e espetáculo que se desenhava à nossa frente: Ali onde hoje há o Posto da Combustíveis da Família Dambrós, havia uns gramados e umas plantinhas sobre as terras que eram jogadas para formar um aterro, e tudo estava coberto de neve. A Ponte Nova estava recoberta por um manto alvo, e o mesmo era contemplado nos telhados das casas, a maioria de madeira. Até os cabos de aço de sustentação da ponte pênsil acumulavam camadas de neve. As ruas de Ouro e Capinzal pareciam aqueles caminhos que se veem em filmes, numa autêntica paisagem europeia. Os poucos carros que havia, e as carroças e charretes, estavam todos recobertos pelo branco brilhante. Os telhados do Hospital São José, do Hotel Imperial, do Hotel do Túlio, do Cine Glória, do Cine Farroupilha, da Distribuidora de Peças e Acessórios, da Casa do Ernesto Zortéa, do Marcos Fortunato Penso, do Pedro Surdi, da Dona Dileta da Silva, do Adelino Casara, do Adelino Beviláqua, e de muitas outras edificações, era possível vê-los por nós, que observávamos a paisagem com nossos olhos originários do Ouro.
O peso da neve mexeu com a estutura de nossa casa. Tivemos que abandoná-la. Fomos distribuídos nas casas dos parentes, dos tios Arlindo Baretta, Adelino Casara e Victório Riquetti. Eu, fui para a casa da Tia Maria, do meu primo Moacir. Lembro-me bem, que à tarde, precisei ir à Comercial Baretta fazer umas compras para a tia, e meu único par de sapatos estava molhado, gelado. Fui com as chuteiras do Moacir, que tinha as traves altas , e que minha ingenuidade fazia-me pensar que a sola ficaria mais alta que a neve. Só ilusão: congelei os pés. Aulas suspensas. O Frei Gilberto (Giovani Tolu), suspendeu nossas aulas, estava muito feliz, porque via, aqui na América do Sul, a mesma nostálgica paisagem que sua mente trazia de sua infância na Itália.
O Joe e a Bunny, eram norteameriacanos que atuavam junto aos Clubes 4-S no interior do Ouro, havendo um clube pioneiro em Linha Sul ( o primeiro de Santa Catarina), moravam de pensão na casa do Sr. Guilherme e da Dona Mirian Doin. Eles eram dos 4-H, clubes dos Estados Unidos da América que tinham as mesmas funções e objetivos que os 4-S do Brasil: Head, Hands, Heart, and Health, que em português entndíamos como: Saber, Servir, Sentir e Saúde. Acostumados com a nove do Norte, fotografavam, faziam bonecos e esculturas. O Joe, que jogava basquetebol na quadra do Padre Anchieta com o Dr. Leônidas Ribeiro, o Rogério Toaldo e outros, era alto e usava óculos ( até para jogar). Ficou maravilhado com a neve. E, nós, tivemos que demolir nossa casa, da qual tenho muitas saudades...
Como resultado do frio, houve perdas e animais nos sítios e fazendas. Lembro que houve muita mortandade de abelhas. Até mesmo o mel que vinha de Abdon Baptista, não veio mais. Não vinha mais o caminhãozinho carregado, com as latas de 20 Kg, com que estávamos acostumados. E o produto encareceu. Alías, ficou sumido pelos anos seguintes, até que os enxames e as colmeias foram-se recompondo.
Além dos eventos climáticos que resultaram na enchente de 1983, penso que a neve de 1965 seja o outro fenômeno que mais nos marcou.
Ah, acho muito bonitas a neve e a geada. Mas, agora, com ar quente no carro, é muito mais fácil de encarar o frio. Viva a bela lembrança do passado! E viva a moderna tecnologia!
Euclides Riquetti
15-07-2012