"Professor, faz um poema pra mim?" - Quantas vezes ouvi essa pergunta nos anos em que lecionei lá na Escola Sílvio Santos, no Ouro!
Sempre estimulei meus alunos a escreverem textos diferenciados, em qualquer modalidade que fosse. Aprendíamos a "fazer redação" juntos. E, como sempre tive em mente de que "se aprende fazer fazendo", e que, para estimular, precisamos dar o exemplo, não apenas mandando fazer ou pedindo para que façam, eu escrevia simultaneamente. Fazer junto para que pudessem sentir que é possível, com liberdade, sem amarras e com estímulo, criar algo que possa encantar alguém. E o poema, ou qualquer texto poético, me encantam, sim!
E, quando volto a lembrar, saudosamente, de meus alunos, lembro-me de suas atitudes, seus gestos, seus movimentos, alguns com extrema sensibilidade, leitores, criadores. Lembro daqueles que não conseguiam fazer algo extraordinário, mas eu lhes dizia que o importante era que conseguissem transmitir, mesmo que da maneira mais simples, aquilo que sentissem. E, muitas vezes, sentiam, mas tinham alguns bloqueios, eram acometidos pelo indizível, o inefável, como dizia nosso professor de Literatura, o Francisco Filipak, lá na Fafi, em União da Vitória, no início da década de 1970, quando éramos grandes sonhadores, eu e meus colegas. Sonhadores, porque almejávamos ter um bom emprego, uma carreira profissional e, quem sabe, um dia termos nossos textos publicados em algum lugar.
Para dar uma certa materialidade ao que os alunos produziam, tínhamos um grupo de professores de Capinzal e Ouro que trabalhava unido. Dedicávamos um bimestre escolar para trabalhar a poesia na sala de aula. Dávamos as condições para que os alunos escrevessem, estimulando-os a lerem suas criacões para a turma, E alguns até tinham talento para a declamação, com serenidade e desinibição. Escreviam, liam, declamavam... Depois, eles mesmos indicavam as que devessem ser mostradas ao público, além do âambito da sala de aula. Organizávamos apresentações nos eventos da Escola e, parte das produções, iam para o "Recital de Poesias", que realizávamos no auditório do Colégio Mater Dolorum. No palco deste, os alunos se superavam, recebiam os aplausos e se emocionavam.
Um dos anos mais marcantes foi o de 1998. Realizamos o Recital, um aluno fazia a locução, ( e, destes, dois seguiram a carreira e são bem sucedidos: o Éder Luiz, do portal ederluiz.com; e o Marlo Matiello, da Rádio Capinzal e do portal vejaovale.com.br), e foi um evento maravilhoso. Até filmamos em vídeo. Passamos o filme nas escolas nas semanas seguintes, pois isso gerava muita motivação, já visando as ações seguintes nas escolas.
Meu aluno André Franquini, do Ensino Médio, declamou um poema de sua autoria, muito bonito. Ele era estudioso e talentoso. Era um orgulho para seus pais e suas irmãs. Nosso também. Vimos o vídeo, ficou muito bom. Ele estava contente. Declamou com camisa branca e um colete bordô, que guardo até hoje comigo... E, agora, estou eu cá, com as palavras saindo com dificuldade, não sei mais por onde seguir...
Acontece que, numa noite da primavera daquele ano, eu dei a última aula da noite na sala dele. Ele me fez muitas perguntas, era indagador, um investigador da vida, um irrequieto perguntador, mas um sereno e educado ouvinte. E emitia sua opinão com elegância, moderação. Era muito querido pelos colegas e pelos professores.
No outro dia, fui a Joaçaba e, na volta, quando chegava ao Parque e Jardim Ouro, vi um movimento de pessoas ali na Rodovia, os policiais com suas pranchetas, algo acontecera, eu sentia em mim algo preocupante. Desci do carro e fui ver. Perguntei a uma pessoa o que havia acontecido e me disse que houve um acidente, que um menino descera pela rua lateral com sua bicicleta sem freios, vinha freando a roda da frente com a sola do tênis, fazia isso sempre, mas naquele dia não deu certo e fora parar embaixo do rodado traseiro de um caminnhão. Perguntei se o haviam levado ao Hospital e me disseram que não, que ele perdeu a vida ali mesmo... Era nosso aluno André!
Ficamos todos abalados. Uma comoção, um grande desespero tomou conta de todos nós, amigos dele e da família. As duas irmãs e a mãe foram alunas minhas. O pai, meu amigo pessoal. O André, aquele doce rapaz com que eu muito me afinava, tínhamos em comum o hábito de gostar de poesias, de compor, de declamá-las, tinha partido...
Na cerimônia religiosa de despedida, rodaram o vídeo com ele declamando. Parecia uma despedida dele... havia uma angústia em suas palavras, em seus gestos, em sua expressão... Algo marcante, que ainda me faz chorar quando lembro daquele menino, um rapaz já, que gostava de poesia...Deve estar no céu, dividindo seus poemas com os anjos...
Euclides Riquetti
29-07-2013