Rua XV de Novembro - Capinzal - SC
Foto Rádio Capinzal
Quantos anos tinhas no dia 7 de julho de 1983? Então, se
eras jovem ou criança, deves ter ficado com marcas em sua alma que
jamais serão esquecidas. Quem viveu as incertezas climáticas daquele
início de inverno, sabe por quantas situações de anormalidade os
moradores do Vale do Rio do Peixe passaram. E o mesmo ocorreu com os do
Vale do Itajaí, em Santa Catarina, e os do Rio Iguaçu, na divisa entre
os estados de Santa Catarina e Paraná, onde o volume de águas esteve
acima dos parâmetros até então conhecidos.
Ouro e Capinzal compõem meu cenário daquele tempo, quando eu
morava em Ouro e tinha duas filhas, gêmeas, com 4 anos, Michele e
Caroline. Eu era professor, atuava na Escola Sílvio Santos, e era
possível perceber, já há um mês antes, que as chuvas torrenciais que
caíram em junho prenunciavam novas chuvas e enchentes. Os dias
alternavam-se quentes ou frios. Nos dias quentes, já era de se imaginar
temporais, as águas do Rio do Peixe com elevação de seu nível normal. Na
parte aos fundos da escola, as águas da chuva formavam um lago,
cobrindo o pátio todas as vezes que chovia. Reclamavam que a drenagem
era insuficiente, mas a cada nova chuva mais água vinha do "Morro dos
Padres", e as valas e tubulações não davam conta de escoá-las. A Festa
Junina, de Santo Antônio, ficou prejudicada. E, no dia 7 de julho, cedo
as aulas foram suspensas, os alunos deveriam ir para suas casas, pois o
rio já saía de sua caixa, os riachos da área rural estavam
transbordando, e os alunos precisariam retornar para as propriedades
rurais, para não ficarem ilhados em algum lugar.
Lembro que os caminhões das Prefeituras de Ouro e Capinzal
começavam a retirar mudanças das casas ribeirinhas, pois havia um
histórico de enchentes que precisava ser respeitado. Dez anos antes, na
Grande Enchente do Rio Tubarão, o Rio do Peixe chegara a meio metro dos
trilhos da ponte férrea sobre o Rio Capinzal. A preocupação das
autoridades era pertinente. Naquele tempo, nem se sabia da existência
de órgãos de Defesa Civil. As pessoas norteavam-se pelas informações que
ouviam na Rádio Capinzal e na Rádio Catarinense, esta de Joaçaba. O
Aílton Viel narrava, o Jorginho Soldi reportava, e todos ficavam com os
ouvidos ligados ao rádio para saberem notícias. Com os ventos que
precederam a enchente, foram tombadas as torres repetidoras de TV, e o
acesso às informações vinha, mesmo, pelo rádio.
Ainda na parte da manhã, lembro que o Celito Matté liderava um
grupo de pessoas para por sacos de areia nas portas dos fundos do
Ginásio Municipal de Esportes (André Colombo), mas, isso foi em vão,
pois logo as águas adentraram à quadra, destruindo o belo piso de
madeira. Foram lá para o sexto degrau da arquibancada. Destruiu
documentos que estavam na Secretaria do Ginásio, peças do Museu
Professor Guerino Riquetti, que estavam alojadas som a Biblioteca
Municipal Prefeito Ivo Luiz Bazzo.
No meio da manhã, com a ajuda do primo Hélcio Riquetti,
retiramos a mudança da colega professora Elzira, levando para o andar de
cima da casa da mãe dela. O fogão a lenha, pesado, deixamos no andar de
cima do sobradinho de seu irmão Kiko, que à tardinha também foi
alcançado pelas violentas e barrentas águas do Rio do Peixe. E os
caminhões se alinhavam na Felip Schmidt e Jorge Lacerda para carregar os
estoques das casas comerciais e mudanças. Em Capinzal, ao anoitecer, as
águas chegavam ao Depósito do Supermercado Barcella, ao do D´Agostini,
às Casas Pernambucanas, Bradesco, Rodoviária, Fórum da Comarca, Hotel
Beviláqua, cobriram a ponte Governador Jorge Lacerda, também a ponte
próxima ao Moinho Crivelatti e todas as outras possíveis passagens do
Sul para o Norte do Centro de Capinzal, no rio do mesmo nome. A nova
Central Telefônica, da Telesc, que havia sido inaugurada poucos dias
antes, foi invadida pelas águas. Eu havia comprado telefone e só tivemos
o prazer de utilizá-lo por um, dia. Depois ficamos sem, por mais de um
mês, apenas com um ramal improvisado, na Prefeitura de Capinzal,
Quando entardecia, as águas invadiram a Praça Pio XII, em
Ouro. Retiramos a mudança do colega Jerônimo Santanna, com a pick-up do
Luiz Toaldo. Depois fomos retirando a da casa do amigo Selvino Viganó.
Lembro que do guarda-roupas de cerejeira, novo, fixo, só pudemos levar
as portas. Logo depois, riui a primeira casa acima da Ponte Pênsil, em
Ouro, onde funcionou a fábrica de ladrilhos do Iraci Toigo (antes anida
fora do Armédio Pelegrini). E, ao mesmo tempo, 96 casas que se
localizavam entre a estrada-de-ferro e o rio, em Capinzal, foram sendo
derrubadas em série, pela violência das águas.
O Agnaldo de Souza, Agente da Estação Férrea, marido de minha
colega Professora Gracita, colocou a mudança na Estação, mas a água
chegou lá também. Salvou apenas uns sacos com roupas, que ficaram sujas
de óleo que vinha do norte, misturado às águas...
No Parque e Jardim Ouro, 12 casas que se situavam na Rua
Voluntários da Pátria, a Beira-rio, foram levadas pelas águas. A ponte
próxima à Igreja de Caravággio no Rio Leãozinho, foi coberta pelas
águas, bem como a SC 303, próximo ao Ramal Lovatel. Em Snata Bárbara o
Lajeado dos Porcos cobriu-se pela enchente. Em Lacerdópolis a parte
próxima ao Lajeado Nair foi a primeira a ser atingida, depois toda a
área central da cidade.
Já noite, as águas continuavam a subir, atingindo a Loja D
´Agostini, a Serraria da São José, no Campo, a tipografia Capinzal, a
ferraria do Luiz Segalin, a Funilaria do Santo Segalin, a Comercial
Maestri, o Bamerindus, o Bolão Ouro, a Auto Mecânica Ouro, a Prefeitura,
o Posto de Saúde, enfim, dezenas de casas comerciais e centenas de
residências.
E ficamos sem energia elétrica, sem água potável, pois o ponto
de captação do SIMAE foi totalmente destruído. Nos mercadinhos e
armazéns foram vendidas todas as velas que dispunham em seus estoques. A
gasolina acabou nos postos. Nos açougues faltava a carne. Alguns
gêneros de primeira necessidade faltavam nas lojas. As farmácias haviam
sido inundadas. A Rádio catarinense anunciava que a ponte de concreto
armado Emílio Baungart, que ligava Joaçaba a Herval D ´Oeste, fora
destruída. E que o Rio Itajaí e o Iguaçu faziam horrores com os
moradores de cidades como Rio do Sul, Blumenau, Itajaí e Porto União da
Vitória. Nossa Ponte Pênsil também teve o madeiramento de suas
cabeceiras arrancado dos cabos de aço de sustentação. Enfim, foi um
Deus-nos-acuda!
Mas sobrevivemos. Cada cidade buscou, de uma forma ou outra,
recuperar-se, com ajuda do Governo federal e Estadual. Blumenau, para
recuperar a autoestima, criou a Oktoberfest. Em União da VItória,
criaram uma área ambiental nos pontos mais vulneráveis, acima da Ponte
do Arco. Em Capinzal, o Prefeito Celso Farina obteve doação de casas de
madeira que foram retiradas das obras da Usina de Itaipu, as quais eram
utilizadas para alojar operários em sua construção, e as implantou na
Cidade Alta, em São Cristóvao, e criou a Área de Lazer" (Arnaldo
Favorito) ali onde antes havia 96 casas. Também aproveitou para remover
as famílias que ocupavam áreas próximas à estrada-de-ferro, acima da
ponte Irineu Bornhausen, levando-as para a Cidade Alta e arborizando o
local. Em Ouro, o Prefeito Domingos Boff construiu casas nos altos do
Parque e Jardim Ouro, onde agora se situa o Centro Comunitário do Bairro
Alvorada. E projetou um conjunto de casas da pela Cohab, que dei
continuidade na condição de Prefeito, em 1989.
Registros fotográficos de Jaime Baratto, Olávio Dambrós e de
Nélito Colombo, dentre outros, mostram a gravidade da situação na época.
Só de lembrar me dá vontade de chorar. Agora, 32 anos depois, parece que tudo aconteceu ontem.
Euclides Riquetti
Trens foram deslocados dos trilhos em Herval d Oeste