Minha coluna no Jornal Cidadela, de Joaçaba - SC, em 01~12-2017
A burocracia
brasileira é sofisticada. Semelhante à do conservadorismo da Inglaterra. Aqui,
mesmo com a esquerda chegando ao Poder, nada mudou. A força conservadora, em
muitos aspectos, é terrivelmente forte. Na burocracia, somos invencíveis. No
planejamento, somos desgraçadamente inimitáveis! Bradavam contra a ditadura,
mas conseguiram fazer pior.
Continuou a
ditadura dos que têm as leis e as canetas à sua mão. Engessamos, com elas, o
desenvolvimento econômico e a vida social das pessoas. E, ainda, temos que
suportar as mentiras arrogantes de um Governo despreparado e oportunista, que
age conforme as conveniências de um suposto “mercado”, composto não por
investidores, mas por especuladores. E a grande imprensa nacional faz ventriloquia,
faz coro em favor de um Poder que dá dinheiro aos mais ricos, tirados dos
pobres e dos honestos. Não é discurso de esquerda, não, é realidade.
Vi, nesta
semana, o filme “!, Daniel Blake”, traduzido como “Eu, Daniel Blake”, cujo
cenário se pinta em Newcastle, na Grã Bretanha. É a história de um homem de 59
anos que, tendo sofrido um ataque cardíaco, precisa ir em busca do
auxílio-doença do seu Governo para sobreviver. Submetido aos caprichos e
exigências da burocracia eletrônica, acaba morrendo enfartado e em condição
miserável, sem obter seu benefício.
No Brasil, isso
acontece comumente, quando pessoas andam em círculos para obter direitos dos
mais simples. Mandam o cidadão (ou cidadã) para cá e para lá. E nada de
resultado. No ano passado, presenciei um fato semelhante: havia um homem aqui
no Bairro Nossa Senhora de Lourdes, o Jaime, que andava bem vestido, tomava ônibus,
conversava com as pessoas. Notei, com o tempo, que ele estava com sua voz
rouca. Tinha perdido o emprego, passara o tempo do benefício do
seguro-desemprego, não tinha trabalho, morava numa casinha já sem água e sem
luz. Perguntei-lhe o que acontecia com ele, disse-me que estava buscando
tratamento médico, que uma médica o atendia muito bem. Mas percebi que o caso dele
era de difícil solução, ainda mais nas condições em que vinha vivendo.
Perguntei-lhe se estava aposentado ou “afastado”, se recebia benefícios do
INSS. Disse-me que não, nem sequer conhecia seus direitos. Mandei-o, com um
bilhete, a uma pessoa conhecida, que o tratou muito bem e encaminhou-o para
buscar a proteção social, uma vez que como não estava “fichado” em empresa, não
podia receber o auxílio-doença, nem aposentar-se. Foi “para cá e para lá”,
conversou com uma e com outra, e nada!
Eu mesmo o levei
até um departamento social do município, na Prefeitura de Joaçaba, onde, ao
chegar, a atendente foi dizendo: “O Senhor aqui de novo?!” – de imediato
intervim, dizendo que ele estava comigo e que ele não sairia dali sem um
encaminhamento decente. Notei muita contrariedade no semblante da pessoa, mas
acabou por fazer os papeis de que ele precisava, coloquei em dois envelopes,
escrevi o que deveria fazer em detalhes e, poucos dias depois, estava com o seu
benefício assegurado. Uns meses depois, notei que ele não andava mais nas ruas.
Perguntei a um parente seu sobre ele e fui informado de que o mesmo havia
falecido, fora levado para Jaborá para morar com uma filha. Fiquei penalizado,
mas apenas me restou fazer umas orações para ele. A diferença entre o Sr.
Jaime, brasileiro, e o Sr. Daniel, britânico, era a cor. O daqui, moreno; o de
lá, alvo. Em ambo os casos, a falta de poder aquisitivo e a burocracia. Ambos,
se tivessem sido bem assistidos, poderiam ter sobrevida.
A burocracia, o
conformismo de quem está no serviço público e se acha melhor do que a ninguenzada, a prepotência, a arrogância e
outros males afligem a sociedade. Em nome de leis e regulamentos, enfernizam a
vida das pessoas. Está na hora de as autoridades dizerem a que foram eleitas, proporem
a flexibilização de algumas leis e mandarem a tropa tirar o traseiro da
cadeira. Apenas isso, bem assim!
Euclides Riquetti – escritor – membro da ALB/SC