Morar em repúblicas de estudantes, principalmente quando se
tem regras de convívio bem definidas e, sobretudo, quando as pessoas se
entendem, é muito auspicioso. Posso falar disso de cadeira, pois morei
numa dessas em plena juventude, em União da Vitória.
Cheguei ali no final de fevereiro de 1972 e, após ficar três
dias num hotelzinho, busquei uma pensão de custos compatíveis com minhas
possibilidades. Encontrei a "Pensão Nova", ao lado da Prefeitura de
Porto União, que de nova só tinha o nome. A primeira providência foi
comprar um daqueles espelhos de moldura de madeira cor laranja, tão
tradicionais, mais para ver minha cara de tristeza do que para corte de
barba. Hoje, ainda fazem daqueles espelhos, iguaizinhos, só que com
"soada" de plástico em vez de madeira.
Os primeiros dias naquela cidade foram deprimentes. Ainda bem
que as aulas começaram de imediato. Ia para a Fafi, ali na Praça Coronel
Amazonas e, ao passar na frente de dois sobrados idênticos, visualizava
uma placa" "República Embaixada do Sossego". No térreo, depois,
implantaram a lanchonete X Burguer. Imaginava que seria um sonho poder
morar numa república, ter colegas e fazer amigos para conversar, trocar
conhecimentos, viver alegremente. Lembrei-me de que em Capinzal havia
uma, a dos funcionários do Banco do Brasil, e nela moravam, dentre eles,
dois colegas e um professor meu: Valdir Marchi, Itamar Peter e Wolfgang
Behling, o Professor Wolf. Este, era muito compenetrado em nos ensinar
Matemática, sendo que ás vezes, distraído, colocava o giz entre os
lábios e o cigarro punha entre os dedos, para escrever no quadro-negro.
Meu sonho de morar em República tornou-se realizado graças ao
Cabo Leoclides Frarom, meu amigo capinzalense que estava servindo no 5º
BE. Eu andava na calçada, defronte à Casa do Bronze, na Rua Matos
Costa, quando passou uma viatura do Éxercito e escutei aquela voz
conhecida que gritou: "Rua Professora Amazília, 408 - no Paraná" Passe
lá amanhã! . Fui!!!
Veio o convite: "Quer morar conosco?" - Convite feito, convite
aceito! Fui morar na "República Esquadrão da Vida", colegas muito leais
e divertidos. Uma vez mandaram cartão de Natal com a mensagem: "Nós,
da República Esquadrão da Vida, neste Natal e Ano Novo, estaremos
alertas e vigilantes" Era a senha para sua proteção e o cumprimento
natalino.
Já nos primeiros meses mudamos para o nº 322, da mesma rua.
Morar quase 4 anos com a turma foi muito bacana! Quanto aprendi, quanto
socializei-me! Primeiro, fui corrigindo minhas pronúncias erradas das
palavras. Depois, alguns hábitos. Minha parte Jeca foi ficando de
lado...
Fiz lá amigos que jamais esquecerei, pois muito me ajudaram: O
Cabo Dionízio Ganzala, que me deu suas chuteiras de presente e um
livro de Inglês Básico. O Osvaldo Bet, que tinha já na época poucos
cabelos, era faixa laranja no judô, e lá adiante conquistou a preta. O
Cabo Backes, que era nativo do Lajeado Mariano, que num final de
domingo, após um jogo do Iguaçu, matou a galinha que a Dona Lídia
criava numa gaiolinha e cozinhou sem retirar todas as penas, mas que
matou nossa fome. O Evaldo Braun, que estava se despedindo, indo embora
para São Paulo.
Havia o Aderbal Tortatto, da Barra do Leão, que trabalhava no
Banco do Brasil, a quem chamávamos de "Pala Dura, o Impecável", porque
se arrumava muito bem para ir encontrar-se com a fotografa de "A
Fotocráfica", com quem se casou. O Tortatto, quando foi Cabo do
Exército, atuava com jóquéi no final de semana para melhorar a renda... O
Odacir Giaretta, marceneiro, palmeirense e coxa fanático, que tinha
um sonho: Ser contador. Virou contador e foi montar escritório próximo
ao estádio do Coxa, em Curitiba. E vieram o João Luiz Agostini (Milbe),
que depois trouxe o Carlinhos, seu irmão. E o Eduardo, irmão do Osvaldo,
que chamávamos de Betinho. O Mineo Yokomizo, o Japa, que me deu um
sapato 39 (o meu era 42, mas usei mesmo assim...), trabalhava no Banco
do Brasil, era meu colega de turma.O Francisco Samonek, que o Japa
chamava de "Sabonete", ex-seminarista, do BB, agora lidera ações sociais
na Amazônia. O Ludus, Luoivino Pilattri, de Tangará, era eventual e
tocava violão.
Mais adiante os cabos Godoy (de Caçador, Odacir Contini (de
Concórdia) e Maciel, também de Concórdia, com quem eu praticava meu
Inglês. E o Cabo Figueira, que nos dias de temperatura abaixo de zero
tomava banho frio, às 5 da manhã, para ter disposição durante o dia. E o
Frei Guilherme Koch, parente do tenista Thomas Koch, parceir de Edson
Mandarino. O Frei era Diretor do Colégio São José. Viera aprender como
era a vida real. O "Boles", cujo nome era Boleslau, que tinha um táxi,
viera de Cruz Machado. O Celso Lazarini, o "Breca" de Lacerdópolis,
que fora goleiro do Igauçu. O Celestino Dalfovo, o Funilha, que não
gostava de enxugar os pés, era da região dos arrozeiros de Rio do Sul.
E o Frarom era nosso "Administrador", controlava as despesas
da Mercearia, o ordenado da cozinheira, o aluguel. O convite dele foi
muito bom, muou minha vida.
Lá, no Esquadrão da Vida, tínhamos uma geladeira que não
funcionava. Tomávamos café preto da garrafa térmica, amanhecido, e
comíamos pães franceses com margarina (cada um comprava a sua). Todos os
dias tínhamos feijão, arroz e um ovo, mas seguidamente tínhamos bifes
(um para cada um). De vez em quando saía uma limonada. Ganhávamos gelo
para colocar no Q Suco e no Q Refresco, da mãe do Neomar Roman (primo
do Odacir Giaretta), que hoje é médico. Assistíamos às corridas do
Emeron Fittipaldi na F1 pela janela. A mesma Senhora deixava a janela da
sala dela aberta para vermos TV. Nos revezávamos em nossa janela para
ver os "lances" da corrida. Ah, e no domingo, além de frango, tínhamos
maionese... Que delícia, que mordomia! Como valorizávamos o pouco de que
dispúnhamos!
Foram esses, sim, os melhores anos de minha juventude. Ter
morado com esses e mais alguns, foi uma grande realização pessoal.
Vivi, aprendi, vivi. Um bom modo de viver. E há, ainda, muito para
contar, oportunamente.
Euclides Riquetti
27-11-2012