Quando criança ainda, numa de minhas férias escolares, fui
passar um mês com meus avôs em Linha Bonita. Os Baretta eram
comerciantes, tinham um casarão que mais atrás servira também de
pousada. E, naqueles idos de 1961, eu era bastante observador, cuidava
dos movimentos das pessoas e daquilo que faziam. Lembro que, nos
domingos à tardinha, após os jogos de futebol, vinham os jovens de toda a
redondeza para jogar baralho. E tomar umas "birotas". Naquele tempo não
tinham geladeira, pois não tinham energia elétrica suficiente, embora a
maioria das casas tivessem um rodão d´água, que acionava um
dínamo, que permitia clarear os ambientes apenas para umas duas, no
máximo três lâmpadas. Então, a cerveja era resfriada num tanque de
alvenaria, construído sob o assoalho de madeira, com água do poço,
retirada com baldes de madeira também. E pediam para minha nona,
Severina, cozinhar ovos na água, em dúzias, para matarem a fome no final
de tarde.
Lembro que um dos jovens senhores que vinham até lá era o
Vitalino Bazzo, com chapéu de feltro cinza, terno da mesma cor, de um
xadrez discreto. (Foi na década de 1970 que os paletós "xadrezão"
entraram na moda. Combinavam com aquelas calças boca-de-sino e os
cabelos longos das pessoas). baldes do poço. E havia o Américo Módena, o
Fernande Maziero, o Dirceu Viganó, o Nézio e o Vilson Rech, o Alcides
Antonietto, o Nelson Falk, o Itacir Dambrós, o Valdir Baretta, que se
misturavam com outros mais jovens e com meus tios. Tinham chapéu de
feltro, que eram os chiques. Alguns, de palha. Comprei um aos 9 anos,
quando já estava morando na cidade e trabalhava. Lavava louça e lustrava
a casa para uma prima. Com meu primeiro salário, comprei um belo
chapéu.... Ah, e trabalhar não tirou nenhum pedaço de mim, não me queixo
disso, mas me orgulho, pois aprendi a valorizar todas as minhas coisas.
Na época, havia um cidadão que vinha da Estação Avaí, que
ficava do outro lado do Rio do Peixe, e ia ver a namorada, a Lindamir, filha de um
dos muitos Barettas que ali moravam, do Serafim. E tinha algo que dava
inveja a todos os outros: um par de galochas de borracha, pretas. Era um
material bem elástico e flexível, um "sapato maior que envolvia um
sapato menor", que não deixava que o de couro embarrasse, nem que nele
entrasse umidade. E ainda tinha um guarda-chuva com as varetas de
madeira, bem grande. Vinha a pé, passava pela balsa ou bote, vinha de
uma distância de dois quilômetros e meio para ver a namorada. Quando
passava defronte à bodega, todos o invejavam. Naquele tempo não
conhecíamos ainda as capas chuva, de nylon, que apareceram por lá
apenas uns cinco anos depois. Imagine o sucesso dele se tivesse também
uma capa de chuva. Ter uma, foi um de meus sonhos de adolescência, que
não pude realizar, pois só "quem podia" conseguia ter uma. (Só consegui
comprar um chapéu...)
Era o tempo em que não havia tratores para trabalhar.
Colhíamos trigo com foicinhas, usávamos as enxadas para carpir, as
máquinas pica-paus para plantar milho. E trilhadeira alugada para colher
o trigo. Havia máquinas acionadas a mão para debulhar ou moer milho.
Depois vieram equipamentos a gasolina e os elétricos. Foi uma
"reevolução na roça".
E, relembrando dessas coisas, das galhochas que caíram em
desuso, lembrei-me do cinzeiro que meu pai ganhou de uma aluna, lá do
Belisário Pena, do 4º ano, a Cássia. Isqueiro era um presente bonito
para um aniversário, dias dos pais, formaturas. (Agora, eu não daria
cinzeiros ou isqueiros para ninguém). E davam também abotoaduras,
algumas combinadas com um filete metálico que prendia a gravata, tudo
ornando e combinando. E, antes ainda, as mulheres usavam luvas e
chapéus, que as tornavam mais elegantes. Bonitas não, pois bonitas elas
já eram, apenas que os ornamentos as deixavam mais atraentes,
chamativas, engraçadas.
Hoje os sonhos de consumo são outros, criaram outrs
necessidades para nós, encontraram outras formas de nos atrair,
contagiar. As máquinas de escrever foram substituídas por computadores
com impressoras. Muitos deixaram de fumar e dar um isqueiro ou um
cinzeiro de presente é coisa muito brega e deselegante. Luvas, agora,
para o trabalho, para pilotar motos, ou proteger contra o frio. As
máquinas fotográficas convencionais foram substituídas por digitais. Os
filmes de pelícola 35 mm estão dando lugar a sistemas digitalizados. As
vitrolas , os gravadores de rolo ou fita, os toca-discos, deram lugar a
mídias moderníssimas, chegando-se aos bluerays.
Muitos acessórios clássicos, tão presentes nas novelas e
filmes de época e revistas podem voltar à nossa mente nesses dias em
que paramos para refletir a chegada de mais um final de ano. Pensar nos
chapéus de feltro, nas abotoaduras, nas luvas das senhoras, nos
isqueiros, nos cinzeiros, nas galochas, nas agulhas dos toca-discos e
nos discos de vinil. Quanta coisa mudou e quanto ainda tudo vai mudar.
Até as bodegas das colônias dapareceram, junto com a energia da
juventude de muitos amigos que se foram ou que estão aí, resistindo ao
tempo. Olhamos para trás e vemos um filme que nos traz simples, mas
saudosas lembranças. E nos resta pedir saúde a Deus, e que nossas
ideias não caiam de uso, não se tornem obsoletas também!
Euclides Riquetti