A pedra foi, historicamente, um elemento muitíssimo importante
na construção da História do mundo. É comum, quando pessoas passem por
locais em que há construções feitas com pedras, de qualquer tipo,
admirarem-se pela excelência do trabalho das mãos humanas. Em Bento
Gonçalves, na Serra Gaúcha, conheci o Caminho das Pedras, em que as
casas construídas há mais de 100 anos, basicamente em pedras
trabalhadas, foram recuperadas recentemente. Dizem, lá, que as casas
foram rebocadas no século XX, pois os proprietários tinham vergonha em
morar em casas assim. Morar em casa de pedra era sinônimo de atraso, de
pobreza... Então, rebocavam as paredes para esconder as pedras,
parecendo alvenaria de tijolos de barro.
Agora, depois que viram que isso é motivo para orgulho e não
para vergonha, retiraram os rebocos e mostraram a beleza daquela
arquitetura. Numa delas, inclusive, filmaram O Quatrilho, há duas
décadas, com a participação da Patrícia Pillar e da Glória Pires. Aliás,
a respeito disso, ressalte-se que a verdadeira História de O Quatrilho,
filme que foi indicado para o Oscar na década de 1990, aconteceu
envolvendo 4 famílias que têm descendentes em nossa região atualmente:
Baretta, Dalri, Trentin e Tessari (ou Tessaro). A personagem Pierina,
vivida por Glória Pires, representava a Maria Baretta real, a traída na
verdadeira história e no enredo. Há descendentes dela morando em Ouro:
em Pinheiro Alto, Linha Caçador e Pinheiro Baixo. Há outros em Joaçaba.
Casa de Pedra da Cantina Ztrappazon - Bento Gonçalves - RS - um dos cenários de "O 4trilho"
Sempre que o Egito é referido, lembramo-nos da arte das pedras,
enormes, maravilhosamente assentadas pelo homem na construção das
pirâmides de Quéops Quéfren e Miquerinos, quando não se dispunha dos
maquinários que possuímos hoje.
Ontem pela manhã, ao dirigir-me ao centro de Joaçaba, ali
defronte ao local onde a 50 anos se instalava a garagem dos ônibus da
atual Reunidas, no início da subida para o Aeroporto, vi que demoliram
um velho casarão (sepultou-se mais uma história...), e restou um muro de
pedras-de-obra aparentes, que certamente será substituído por uma
contenção de concreto armado, para suportar, imagino, o estacionamento
de um novo edifício. E comecei a perguntar-me o que farão com as pedras
que serão retiradas dali...
Na Praça Pio XII, em Ouro, havia um muro desses para a
canalização do Rio Coxilha Seca, que passava por debaixo da área da
mesma. Uma enchente, há cerca de uma década, derrubou-o. Foi
substituído por tubulação de concreto de 2 metros de diâmetro.
Na área do antigo Ginásio Padre Anchieta, dando sustentação ao
acesso ao Hospital Nossa Senhora das Dores, há um muro com pelo menos 5
metros de altura. Aos fundos do Hospital, outros, ainda maiores.
Se andarmos nas cidades colonizadas pelos descendentes de
italianos no Vale do Rio do Peixe, veremos milhares de quilometros de
taipas remanescentes, com pedras irregulares habilmente empilhadas em
firme amarração, a maioria com um século de existência. E estão ali,
resistentes. Quem não se lembra de ter ido ao sítio do vovô ou do titio,
um dia, e corrido em meio aos potreiros gramados e cercados por taipas,
atrás de terneiros?
As taipas tiveram duplas funções quando da colonização:
Primeiro, fazer os cercados para que os animais não invadissem outras
propriedades e fossem causar estragos nas plantações dos vizinhos, ou
até como forma de proteção desse patrimônio; depois, porque a retirada
das pedras das áreas que haviam sido desmatadas melhorava o terreno para
o plantio, facilitando o trabalho do homem, principalmente no arado,
evitando acidentes aos homem e aos animais. E também para que o
trabalho rendesse. Vale registrar que a maioria das nossas taipas foram
construídas por lajeanos, que vinham do Planalto para trabalhar nas
colônias, em empreitadas. Hoje, a profissão praticamente se extinguiu.
O último taipeiro de que tenho notícia (podem haver outros, no
entanto), é o capinzalense chamado de Lajeaninho. Fez um muro para
mim, na subida para minha casa. Não sabia ler nem escrever. Não usava
metro para medir. Ele cortava uma rama de árvore, reta, do comprimento
de seu braço mais o equivalente a uma medida obtida entre o dedo polegar
e o indicador com uma abertura de 90 graus, o obtinha seu metro. Media
o comprimento e a altura de sua empritada e multiplicava "de cabeça",
dando-me o cálculo certo da quantidade de metros quadrados que
executava.
Outros desses autênticos pedreiros (hoje o termo pedreiro vem
para pessoas que não utilizam mais pedras para trabalhar), construíram
os muros de contenção dos porões, das frentes e dos fundos da maioria
das casas edificadas até a década de 1960 nas cidades do Vale do Rio do
Peixe. Conheci alguns deles, como Sr. Matiollo, o Bugre, seu cunhado
Mingo Barbina, os Bonadiman, o Adami, o Leonel, que fizeram muros até
essa época. Mas, pelas obras remanecentes, é possível ver-se que nossa
região contou com grandes artífices práticos em nossa História. E os
calçamentos nas ruas das cidades também contaram com o habilidoso
trabalho da mão humana.
Mas, o que me leva a voltar meu pensamento ao passado, é
considerar a magnitude da arte no assentamento das pedras quando na
construção de nossa Estrada de Ferro (hoje desativada, abandonada,
açoitada...,) desde Marcelino Ramos até Porto União. Dezenas de vezes
passei em todo o trajeto utilizando o trem para ir e vir entre Capinzal e
o Porto, e o mesmo fizeram meus amigos que foram para o Colégio
Agrícola de Ponta Grossa, e os que acompanhavam bovinos e suínos desde
nossa Estação do Trem até Sorocaba e São Paulo.
Há maravilhosas obras de arte ao longo da ferrovia. Só para
citar, menciono as situadas proximamente ao perímetro urbano de
Capinzal, nas imediações das residências dos Rossetti, Miquelotto e
Costenaro; também aquela sobre o Rio Capinzal, no Centro da cidade; e
aquela do Lajeado Residência, na confrontação de Linha Residência com
Galdina, onde na margem direita do Rio do Peixe situa-se o Parque e
Jardim Ouro, antiga SIAP, nas proximidades do estádio do Arabutã. E, no
Rio Leão, não distante do Balneário Thermas Leonense, há uma maior. Em
Herval D ´Oeste, é possível divisar-se uma ao sul da cidade.
Em Pinheiro Preto, o túnel histórico da ferrovia, é emoldurado
por um belo trabalho em pedras-de-obra. As pedras, na maioria das
construções, tinham uma altura de 40 centímetros e o comprimento
variável. E isso possibilitava uma excelente amarração. Era uma
convenção que não sei por quem foi instituída, mas era nessa altura que
saíam das pedreiras.
Túnel RFFSA - Pinheiro Preto - SC
A pedra é um símbolo da resistência humana. Parece que
dominá-la, com arte, era a glória e a materialização dos sonhos das
pessoas. Em Machu Pichu, está presente com toda a maestria da mão
humana. Soberanos, na História do Mundo, fizeram usá-la para edificar
suas cidades, suas muralhas para proteção contra o inimigo e para
guardar seus domínios e territórios, ou para sua tumba. A custa do suor e
do sangue dos escravos. Foi assim nos primórdios das civilizações. Foi
assim até recentemente.
Euclides Riquetti
24-01-2013