Lembro que o Martin Mikoski e o André Bocheco eram os braços
direitos dos diretores nas décadas de 1960 e 1970. Lideravam os meninos
nas lides da roça, do estudo e das orações. Tomaram outros rumos, foram
exercer outra vocação que não a do sacerdócio. Depois veio o Frei
Orlando, que dirigia o jeep azul e a Ford, levando os seminaristas para
trabalhar na granja deles. O esforçado Frei Orlando, compositor do Hino a
Nossa Senhora dos Navegantes tornou-se sacerdote. Era uma alma bondosa.
Continua sendo uma figura muito carismática. Com sua voz ressonante,
enche os espaços das Igrejas onde canta.
Eu tinha muitos colegas de aula que eram do Seminário. E
também um primo. Tinham suas horas de estudos, as de orações e
meditação, e ainda ajudavam na Granja dos Padres. Uma Senhora, Dona
Aurora, era a mãezona de todos eles. Era uma matrona forte e respeitada,
impunha respeito em talvez umas cinco dezenas de meninos afoitos.
Aos domingos, iam para alguma comunidade, a pé, para jogar
futebol. Lembro que o Luiz Frigo corria muito, tinha as pernas compridas
e reclamava do juiz, normalmente um Frei.
Quando a Festa de São Paulo Apóstolo se avizinhava, eram
colocados a pintar estatuetas de gesso do padroeiro, que eram trazidas
de Curitiba. A batina marrom, um manto verde, o rosto marfim. Era mais
ou menos isso. E havia alguns acabamentos que eram feitos pelo Frei
João, para que o serviço ficasse bem feito. Ainda hoje há, em algumas
casas no interior, exemplares desse São Paulo Apóstolo, que era benzido e
vendido no Dia da Festa, 25 de janeiro, ou no domingo mais próximo.
No Colégio, os meninos eram bulidos, sistematicamente, por
muitos dos colegas. Eles tinham umas características que os
diferenciavam de nós, como por exemplo, na fala: Nós dizíamos "pra" e
eles diziam "para". O Frei exigia que aprimorassem sua fala. Nós
achávamos que aquilo era coisa de granfino. E diziam os esses nos
plurais. E as declinações certas ao final dos verbos. Na sala eram
comportados e isso nos deixava intrigados porque tinham mais prstígio do
que nós que fazíamos nossas inocentes baguncinhas. No futebol, eram
melhores do que nós, porque em seu tempo livre, jogavam muita bola.
Faziam petecas com palha de milho e penas de galinhas que eram uma
maravilha. Tinham seu material escolar organizado, bem mais do que o
meu, que não posso me citar como exemplo para ninguém, tamanho era meu
desleixo. Por tudo isso os colegas buliam com eles.
Eu ia diariamente ao seminário, era quase um deles. Algumas
vezes me tentava a dizer que queria estudar para me tornar padre, mas
sabia que não tinha nenhuma aptidão ou vontade para isso. Acho que era
por causa da companhia dos amigos. Aqueles que terminavam o primário iam
para Irati e nós ficávamos muito tristes, pois só vinham para casa ao
final do ano. Tinham que ficar lá em provação. Acho que isso levava
muitos deles a desistir de seu intento.
Certa vez houve uma briga no Colégio e a minha turma de amigos
ficou dividida, uns contra e outros a favor deles. Eu era a favor, pois
aqueles meninos não incomodavam ninguém, mas havia uma cisma de alguns
contra eles. Lembro que os contra eles desciam o morro rapidamente, ao
final da aula, antecipando-se aos seminaristas, e amarravam as
guanxumas que havia ao lado dos carreiros para que, quando eles
corressem, caíssem. E, depois, armavam uma algazarra para vê-los correr e
caírem. Para nós, aquilo era divertido, não levam mais do que uns
esfolões. Tinha um que era bravo, o Paulo Rosalem, que virou padre e
soube que ele faleceu recentemente, em Capinzal.
E muitos deles acabaram saindo e tornando-se bons
professores. Aliás, muitas das universidades do Oeste e Meio Oeste de
Santa Catarina foram bem sucedidas porque ex-seminaristas tornaram-se
professores delas, chegando ao Doutorado ou Pós-doc. E tornaram-se
diretores, reitores até. Mas também rechearam o mercado com
profissionais liberais. Ou na área pública. A seriedade com que eram
cobrados no estudo lhes deu uma base sólida de conhecimentos que lhes
permitiu galgar escalas acima com relativa facilidade.
Tenho boas lembranças daquelas tardes em que eu ia com um
irmão pequeno participar das brincadeiras com os seminaristas.
O Seminário Nossa Senhora dos Navegantes foi desativado, assim
como os demais da região. Seus prédios são ocupados por escolas
particulares, centros de administração pública e de múltiplo uso. Foi
assim em Ouro, Luzerna, Ibicaré e Iomerê. No Paraná, em Ponta Grossa, um
deles hoje abriga a Universidade Federal Tecnológica do Paraná.
Nossa região, em razão de sua colonização italiana, era
povoada de seminários. Os pais sonhavam em ter um filho Padre. Os filhos
viam no Seminário uma maneira de sair de casa e estudar. E já valia
para eles a regra de que "o futuro a Deus pertence". Talvez o Vaticano
não tenha conseguido ter o número de propagadores do Evangelho que
esperava, mas o certo é que muitos colégios e faculdades ganharam
excelentes professores, ajudando a dar um ton de maior qualidade à nossa
educação. Graças a Deus, e não em nome de Deus...
Euclides Riquetti
28-01-2013