Cidade de Ouro - SC
Adora lembrar de coisas de antigamente, minha infância, adolescência e juventude.
Ontem, pela manhã, ao chegar em Ouro, em frente à antiga
Sorveteria Vó Mirian, hoje Sorveteria do Grezele, encontrei o Sinaleira.
Ele me olhou, limpou duas vezes a mão direita nas pernas de suas
calças e estendeu-ma. Estendi-lhe a minha, apertei a sua e falei: "Não
precisa limpar sua mão para me cumprimentar. Você não me conhece?" Ele
olhgou-me, reolhou-me, mediu-me, iu-me, iu-me, iu-me e, depois lascou:
"Não lembro de você!".
Bem, eu encontro o sinaleira seguidamente em Joaçaba, andando
nas ruas centrais. Nem sei se ele me vê, mas eu o vejo. Ontem, disse que
queria um "particular" comigo, queria R$ 1,00 emprestado. Dei-lhe R$
5,00, não para gastar naquilo que é acostumado, mas para que comprasse
comida. Ele disse que gastaria R$ 4,00 em comida e o outro reaal para
aquela finalidade a que me pedira emprtestado. Eu não incentivo o
consumo de bebida alcóolica, pois perdi muitos amigos e alguns
familiares por causa dela e do cigarro. E censurei-o por ter limpado a
mão para estender-me. A um amigo, dá-se a mão em qualquer circuntância e
eu tive muito prazer e alegria em ter sido cumprimentado por ele.
Mas, voltando ao Sinaleira, que encontrei bem em frente à
sinaleira da Felip Schmidt, na esquina com a Professor Guerino
Riquetti, mais conhecida como a Esquina do Posto Esso (que já não é
Esso, é Shell, mas que vai continuar a ser Esso por uma questão de
hábito mental e linguístico, e que para alguns é Posto Dambrós),
falei-lhe que eu o conhecia bem, que ele era irmão do Lauro, e do
falecido Castelinho. Perguntei-lhe se ele conhecia o "Pisca" e ele
disse-me que o Pisca era ele mesmo. Respondi-lhe: "O Pisca era eu, você
era o Sinaleira!. Lembrei-lhe que jogávamos bolicas (que muitos de
vocês chamam de bolinhas de gude), ali, ao lado da casa do Adelino
Casara, em Capinzal, num terreno bom, plano, com sombra de laranjeira e
tudo. E ele lembrou-se de mim...
Ser antigo, já escrevi, me permite lembrar mais, curtir mais,
navegar mais num passado mais longo do que o de muitos de meus leitores,
que têm a vantagem de estarem com menos idade. Mas, hoje pela manhã, ao
vir de Joaçaba dirigindo, calmamente, até meu trabalho, comecei a
lembrar-me de amigos que tínhamos na época e que, por serem de cor
diferente da minha, alguns achavam que eu não deveria misturar-me com
eles. Quando saí do Juvenil do Arabutã e fui jogar no "Time dos
Engraxates", passei a ser meio rejeitado por algumas pessoas, que
achavam que aquilo era demérito. Mas, lá, convivi com muitos que já se
foram e que foram meus companheiros. Tinha o Pelé, filho do Caetano, que
fazia panca; o Ferrugem, que só queria jogar com a 10, mas o Pelé
queria para ele.O Castelinho, só conseguia jogar bolicas, mas nada de
futebol. Lembrei-me do Chuchu, craque que só jogava bem com os pés
descalços, e morreu num incêndio em Piratuba; o Thclule, que jogava bem
e tocava bateria nos Fraudsom... e todos eles já foram para o céu.
Mas conheci também muitas pessoas que já eram adultas na
época, até idosos: A Tia Bena, mulher do Sapeca; a Nega Júlia, que
diziam ter sido escrava e tinha mais de 100 anos; o João Maria, que
queimava a barba com o fogo do isqueiro pra não precisar cortar; o Zé de
Amargá, que foi pioneiro no Navegantes, trabalhou no pesado até o fim
da vida, e dizia que comia carne e verdura pra ter energia pra trabalhar
bastante; o Sebastião Félix da Rosa, conhecido como "Velho Borges" e
"Champanhe", que morreu sentado embaixo de uma árvore, no Navegantes, e
que filosofava: "Não cai uma folha de uma laranjeira sem que Deus
queira"; seus filho João, Dário e Mário, este último que passou a maior
parte de sua vida usando camisa do Arabutã, e vinha em minha casa de
madrugada, para saber como estavam as "geminhas", minhas filhas Michele e
Caroline; a Dona Júlia, que benzia as pessoas para que não ficasse
doentes e que viveu seus últimos dias lá no Alvorada, vizinha das irmãs
Clementina e Jurema, todas já idas lá pra cima, juntamente com a Patroa
do Pedro Lima. Todos esses amigos foram pro céu, tenho muitas boas
lembranças deles.
Os tempos mudaram. Agora, as oportunidades que o Sinaleira não
aproveitou, continuam a existir para quem quiser aproveitar. Há boas
escolas públicas, transporte gratuito, apoio dos órgãos públicos para
quem quiser estudar e poder buscar um caminho talvez que não traga mais
felicidade, mas melhor padrão de vida. Só não estuda quem não quer.
Mas, o Poder Público precisa oferecer ao cidadão aquilo que a familha
muitas vezes não lhe oderece: proteção social.
Então, posso dizer que tenho muito orgulho em ter sido amigo
dessas pessoas todas. E que o Sinaleira continua sendo tão admirado
quanto admiro a Thaís Araújo, a Maria da Penha da novela das 19 horas na
Globo.
Euclides Riquetti
18-05-2012