Caminhão Ford F - 600 - modelo igual ao do primo Rozimbo Baretta
No final da ensolarada tarde de sábado, o som da gaita do
Adriano atravessava a rua, sobrepunha-se às roseiras que dão um especial
e singelo colorido ao jardinzinho da frente de minha casa, varava as
janelas, a porta da frente, a área de passagem lateral, e ia parar lá
no quintal, onde os sabiás, pardais e canários estão dividindo os galhos
de minhas fruteiras para (re)pousarem, e o gramado para ciscar.
A melodia me transportava para as estâncias gaúchas, para
nossos pampas sulinos, onde as patas dos cavalos sulcam os carreiros em
direção ao gado que pasta. O sol está-se escondendo atrás do morro,
tornando nosso céu decorado por cores de indescritíveis matizes. Cada um
de nós se ocupa com o que tem à mão: TV, telefone celular, computador,
forno de microondas... De repente, tudo escurece e alguém gita: "Faltou
luz!" - É a Jujuba, que ainda pouco presenciou em sua vida essa questão
de "faltar luz".
Em poucos segundos, todos os recursos disponíveis acionados:
fósforos, velas, lanterninha de celular, pires para grudar as velas.
(Duvido que, em sua casa, você nunca tenha usado um pires ou um cinzeiro
para colar uma vela nessas ocasiões...) E a volta à normalidade (ou
anormalidade?) - sem luz nas lâmpadas! Hora de ir ao encontro da
realidade!
A Jujuba ensaiou um pequeno choro, na verdade um resmunguinho
de nada, fui logo imitando alguns animais, latindo, uivando, miando,
fazendo "óinc", e ela foi adivinhando qual animal era. A Mama Ine e a Vó
Mi começaram a mover as mãos, formatando e projetando sombras e bichos
nas paredes, e ela, rindo, adivinhava que bicho era aquele. E falava:
"Ih, sem luz não dá para ver desenho na TV! Nem dá pra tomar banho!" E,
em poucos minutos, uma "brain storm" já estava instalada em nosso
ambiente familiar. E a Jujuba, espreitando pelo janelão do poço de luz:
"Olha lá, tem uma estrelinha lá no céu! Como é bonita!"
Pela sacada, pude ver que na parte baixa da cidade e nas
bandas da Unoesc a luz retornara. Comentei: " É só aqui no alto que está
faltando luz. Algum carro deve ter batido num poste. Quando isso
acontece, ficamos sem luz por um tempo, mas logo ela volta!"
E a Julinha, com aquele seu jeitinho bem opinativo, me vem com
essa: "Sabe, vovô, nas ruas tem muita gente comendo banana e jogando
casca no chão. Se as pessoas pisam na casca, elas escorregam e caem. O
pneu do carro deve ter escorregado na banana, derrubado o poste e daí
ficamos sem luz!"
E agora, velho?! Bem, rimos, vivemos meia hora de encantos, de
diálogo, de alegria, coisa inexplicável. E lembrei-me das vezes em
que faltava luz em minha infância, quando eu, meus irmãos e meus pais
ficávamos na varanda defronte de nossa casa, lá no tempo em que tudo era
Capinzal, olhando para a ponte, esperando que algum carro passasse e
nos trouxesse luz. Naquela época, naquela mesma ponte onde agora passam
dezenas de carros por minuto, tínhamos que esperar, muitas vezes, até
meia hora para que passasse um. E nós acreditávamos que os caminhões,
principalmente o F-600 do Rozimbo Baretta, meu primo, nos traria de
volta a luz, que muitas vezes demorava até dois dias para voltar. Mas,
coincidência ou não, logo depois que o caminhão apontava lá perto do
Cine Glória, no máximo quando se perdia lá na rua da cadeia, retornava a
luz. Saudades disso também...
Bendita a falta de luz no anoitecer de ontem. Apenas meia
hora, mas tempo suficiente para vermos que há outros modos de se viver
mesmo sem termos à mão nossas comodidades e tecnologias. Como
antigamente!
Euclides Riquetti
06-10-2013