Capinzal - SC - minha terra natal!
Saudade é um sentimento nobilíssimo. Pessoas que sentem saudades e medo estão sempre vivas, atentas ao derredor.
Os anos 50 não restam apenas em tua nostalgia, mas na minha,
no verdor de minha infância. Boas lembranças dos tempos em que se tomava
o bote e se buscava a Ilha da Siap, da malandragem dos mais velhos:
primos, irmãos, amigos... na escusa busca de frutas naquelas paragens e,
da subida nos cipós, nas brincadeiras de Tarzan, no armar de linhas de
pesca nos sarandis, nas brincadeiras de virar o bote, na procura de
lugar em que "desse pé", no leito das límpidas águas do Rio do Peixe.
Juro-te, peloas goiabas, caquis e melancias afanados, que
foram os grandes anos de minha vida. Juro-te, pelos lambaris, carás,
joanas, mandis e jundiás pescados, que foram as melhores aventuras de
minha vida. Juro-te, pelas águas transparentes das corredeiras da Ilha,
que quando avistávamos as meretrizes banhando-se nas margens do lado
esquerdo, cobríamos os olhos para não fazer pecado... e quando, por
deslize, os dedos se abriam e nossos olhos buscavam, furtivamente, o
corpo daquelas banhistas, íamos, na primeira oportunidade, ao
confessionário de nossa suntuosa Matriz São Paulo Apóstolo, onde, nos
meses de janeiro, gastávamos nossos trocados na pescaria e nos
cavalinhos da Grande Festa em que, não raro, bandas animavam o ambiente e
o chope animava o povo, que era muito feliz. Não procurávamos o Frei
Lourenço, o mais severo dos freis, mas o outro Frei, aquele que vivera
as agruras da Segunda Guerra Mundial, viera da Itália, que era mais
condescendente e impunha penitências mais leves. Diziam as Senhoras que
era o confessor preferido, parcimonioso, atencioso, compreensivo, além
de outros "oso" e talvez "ivos".
Como são boas as lembranças. Boas lembranças do tmpo em que,
ma ponte pênsil, trafegavam alguns automóveis, dizem que até o
caminhãozinho FORD Gigante (ou era Chevrolet), das Indústrias Reunidas
Ouro! Depois, o orgulho de ver a Ponte Irineu Bornhausen ali, imponente e
formosa, sombreando as águas e ligando as duas cidades gêmeas do Baixo
Vale.
Como era bom ir à Comercial Baretta e comprar anotando "na
caderneta", ir à loja das Indústrias Reunidas Ouro comprar sabão e banha
"Ouro", e vinagre "Horizonte"! Tomar gasosas de framboesa no
engarrafamento da Indústria de Bebidas Prima, comprar capilé no Bar
Avenida, no Bar do Adelino Beviláqua, jogar bola nos campinhos
esparramados por aí, como aquele do "Morrinho do Pão-duro", onde hoje é a
Central telefônica da cidade, ou no Municipal, nosso "terrão", onde
jogavam Vasco, Arabutã, São José, Ouro, Operário do Mandu, Botafoguinho
dos Baratieri, Flamenguinho do Coquiara, Fluminense do Rogério Caldart,
Palmeirinhas da Rua da Cadeia (o do meu irmão Ironi), Vasquinho dos
filhos do Ernesto Zortéa, Ameriquinha dos riquinhos da área central, e
outros, que, "pelo conjunto da obra", não deixavam a grama crescer. E
havia ainda os recessos, como quando o Circo Robattini veio e
instalou-se no campo, com picadeiro vestido de maravalha da Zortéa ou
dos Hachmann.
Realmente, foi de comoção o passamento de Maria Lúcia, que
devia ter a sua idade, que ia ao Mater Dolorum com casacão xadrez verde e
branco, alguns detalhes em preto. Fora a Dona Linda Santos e depois
ela. Depois foram outros. O Juca, o Sr. Sílvio Santos, o Moretto, todos
grandes amigos. Que pena! Quanta gente boa se foi... Dos Santos e de
tantas outras famílias que ajudaram a construir nossa História.
Também foi o de tua professora Julieta, que perdeu a vida em
General carneiro, em fevereiro de 1980, em acidente de carro, juntamente
com seus pais. Mas a outra professora tua, continua aqui, participando
de eventos culturais de nossa cidade.
Nossas cidades, Ouro e Capinzal, mudaram muito. Uns foram
embora, vieram outros. Restaram lembranças, vieram acontecimentos,
desenvolvimento, eventos, acontecimentos com perdas e ganhos.
Assim, Mr Safik, ajudo-te a relembrar algumas coisas: os
cinemas deram lugar às locadoras de vídeo, as lojas aos supermercados,
as canetas-tinteiro aos computadores, os telefones pretos aos celulares,
os jipes e as rurais aos carros modernos. Mas não podemos esquecer da
Aero Willys do Barison, das lemosines do Fleck, dos jipes dos colonos,
dos DKWs do Atolini e do Carleto Póggere, nem dos ônibus a gasolina da
"União da Serra", todos de nossa infância. Abraços!
Touareg - Nascido em 23 de novembro de 1952.
(Publicado no Jornal A Semana - Capinzal-SC, em 25-04-2007, na Columa do
Ademir Belotto, com a utilização do pseudônimo "Touareg", em resposta a
uma carta publicada anteriormente, por um autor que utilizou o
pseudônimo "Mr Safik", que viveu a juventude em Ouro, trabalhou nos
Estados Unidos, e voltou para Florianópolis após a ataque de 11 de
setembro às torres gêmeas.
Euclides Riquetti - o Touareg...
Em 15 de janeiro de 2012.