Arabutã FC - Estádio da Baixada Rubra - Ouro - SC
O dia 22 de julho de 1984 me é inesquecível. Tinha tudo
planejado: jogar bola, ir a uma festa, descansar para na segunda
trabalhar. Levantei-me cedo, peguei a sacola com minhas chuteiras,
despedi-me da família e fui para o Estádio do Arabutã. Era o dia mais
frio do ano, um domingo. Tivéramos duas semanas de férias escolares
e, no dia seguinte, haveria o reinício das aulas. Queria aproveitar bem
meu domingo. Depois do jogo, me encontraria com a família e amigos numa
festa de batizado.
Ali, ao lado do Estádio, havia uma sede recreativa onde seria realizada a festa do batizado da Aquidauana, uma bebezinha, filha do compadre Neri Miqueloto e da Zenete. Fui o primeiro a chegar ao campo. Havia neblina e frio, muito frio. A promogênita deles, que atualmente cursa um doutorado nos Estados Unidos.
Nove horas e já estávamos em campo. O treinador Valdomiro Correa deu-me a camisa branca com mangas vermelhas, número 4, jogaria como quarto zagueiro, fazendo dupla com o Fank. Normalmente eu jogava com a 2, na lateral direita. Nsta atuou o Mantovani, que era apelidado de "25". Era o mais maduro da turma. Na esquerda, o Mingo Barbina. Eu tinha 31 anos e estava em plena forma física. E me achava velho... Tinha ossos fortes, minha mãe sempre dizia que me deu muito cálcio quando criança. E eu achava que jamais pudesse machucar-me, era muito corajoso nas jogadas, não tinha medo de que algo me pudesse acontecer...
Placar ainda em branco e nossos adversários fazendo pressão. Formávamos linha de impedimento, já tínhamos um ótimo entrosamento e sempre que jogávamos, nos adiantávamos quando o adversário iria lançar a bola. Deixávamos os desavisados sempre impedidos. Nossa média de idade era bem acima da deles e tínhamos que dispor de nossa esperteza para enfrentá-los. E, num desses lances, quando saímos, um de nossos jogadores deu condição legal de jogo para os adversários. O Tita, de 16 anos, muito habilidoso e veloz, recebeu a bola e saí atrás dele. Quando ele entrou na grande área e ia fazer o gol, alcancei-o e dei toda a força possível para cortar a bola. Nesse instante, veio o goleiro, meu companheiro, num carrinho e me atingiu. Foi um estouro. Disseram-me o Mafra, o Marcon e o Nito Miqueloto, meus companheiros, que pareceu um tiro de revólver 38. Senti que algo de muito ruim me havia acontecido. Eu não queria acreditar: O que iriam dizer meus familiares? Cmo iria dar aulas no dia seguinte?
Meu colegas vieram acudir-me. Estavam apavorados. Olhei para minha perna direita e o pé estava desgovernado. A perna dobrou-se, apenas a pele mantinha o pé preso ao meu corpo. Uma fratura na Tíbia, duas no Perônio, e os ossos esfacelados. Uma senhora contusão! Tiraram minhas chuteiras, minhas meias. Uniformizados, não conseguiam achar as chaves dos carros para levar-me ao hospital. Ficaram todos atrapalhados. Vi o Irineu Miqueloto (saudoso...), que viera de Ponta Grossa para o batizado de sua sobrinha, pedi para que me socorresse, e ele, apavorado, no alambrado, procurava nos bolsos as chaves de seu carro, e nada! Até se esquecera de que não estava de carro lá. Havia deixado o carro com a esposa e nem se lembrava disso. Estavam todos desorientados...
Enfim, os amigos Vilson Farias, atual Vice-prefeito de Capinzal, e o Alvanir Mafra, com o Fusca deste, resolveram que deveríamos ir de imediato para o hospital, no fusca. Colocaram-me no banco traseiro, o Mafra dirigia e o Farias me dava apoio moral. Iríamos direto pra Joaçaba, onde haveria ortopedista no Hospital Santa Terezinha.
Na estrada eu olhava para o espelhinho retrovisor e via que estava pálido, meus cabelos molhados, o rosto muito suado. Não sentia dor, ainda, porque estava om o corpo muito quente, havia corrido muito e por mais de meia hora. Não me conformava por aquilo estar acontecendo comigo...
Em menos de meia hora estávamos nas ruas centrais de Joaçaba, onde não haia asfalto ainda. Quando o carro trafegava sobre sobre os paralelepípedos do calçamento, os ossos pareciam espinhar os músculos e doía muito, muito. No Hospital Santa Teresinha, fui posto na numa maca, e o médico Dr. Marino, ortopedista, colocou uns saquinhos de areia nos lados da perna, imoilizando-a. Como que se a mão de Deus tirasse a dor, senti-me aliviado. Veio o raio-x, o gesso, envolvendo toda a perna até a bacia. Não havia necessidade de cirurgia, graças a Deus. Apenas 90 dias no gesso. Levaram-me para casa. Eu estava chateado porque minha família não pudera participar da festa da Aquidauana. mas não sentida dores. Até que passou o efeito da anestesia quando passei por dores insuportáveis. Ligaram para o hospital e indicaram-me injeções para alviar a dor que um rapaz, meu aluno, o Neodir Zanini, veio aplicar, junto com o pai dele, o Nadir.jovem, trabalhava na Farmácia São Pedro. A dor ia e voltava...
À noite, demorei para dormir. Depois sonhei. Sonhei que estava numa bela tarde de sol, lá no mesmo campo, jogando futebol, mas na lateral esquerda, com a camisa 6. Jogando contra o Clube 4 S de Linha Sul, marcando o Joãozinho Baretta, um primo. Ele estava de camisa verde e eu marcando-o.
Muitos dias com dores, passei os primeiros vendo na TV as Olimpíadas de Los Ângeles, torcendo pelo Brasil, em especial pelo goleiro Gilmar Rinaldi, que defendeu até pênaltis. E nos deu a Medalha de Prata. O Gilmar foi nosso compnheiro de bola no campinho, ali no Ouro, quando vinha passar as férias na casa de sua irmã, a Matilde. Jogava no Inter, depois jogou no São Paulo, na Udinese, num clube do Japão e n Flamengo.
Seis meses depois, estava eu de volta aos campos. Mudei meu jeito de jogar, mais cauteloso, usando menos a força e mais a inteligência. Percebi que nosso corpo tem limites, esta foi minha lição. E consegui correr atrás da bola por mais 25 anos, apenas com 3 meses de interrupção em 98, quando estourei menisco e ligamentos, pondo até parafuso de titânio no joelho esquerdo, que está ali até hoje. Estou até pensando em voltar a jogar, agora na Primavera...
Realmente, aquele domingo, 22 de julho de 1984, meu mundo ficou de pernas pro ar. Mas sobrevivi!
Euclides Riquettii
22-07-2013
Ali, ao lado do Estádio, havia uma sede recreativa onde seria realizada a festa do batizado da Aquidauana, uma bebezinha, filha do compadre Neri Miqueloto e da Zenete. Fui o primeiro a chegar ao campo. Havia neblina e frio, muito frio. A promogênita deles, que atualmente cursa um doutorado nos Estados Unidos.
Nove horas e já estávamos em campo. O treinador Valdomiro Correa deu-me a camisa branca com mangas vermelhas, número 4, jogaria como quarto zagueiro, fazendo dupla com o Fank. Normalmente eu jogava com a 2, na lateral direita. Nsta atuou o Mantovani, que era apelidado de "25". Era o mais maduro da turma. Na esquerda, o Mingo Barbina. Eu tinha 31 anos e estava em plena forma física. E me achava velho... Tinha ossos fortes, minha mãe sempre dizia que me deu muito cálcio quando criança. E eu achava que jamais pudesse machucar-me, era muito corajoso nas jogadas, não tinha medo de que algo me pudesse acontecer...
Placar ainda em branco e nossos adversários fazendo pressão. Formávamos linha de impedimento, já tínhamos um ótimo entrosamento e sempre que jogávamos, nos adiantávamos quando o adversário iria lançar a bola. Deixávamos os desavisados sempre impedidos. Nossa média de idade era bem acima da deles e tínhamos que dispor de nossa esperteza para enfrentá-los. E, num desses lances, quando saímos, um de nossos jogadores deu condição legal de jogo para os adversários. O Tita, de 16 anos, muito habilidoso e veloz, recebeu a bola e saí atrás dele. Quando ele entrou na grande área e ia fazer o gol, alcancei-o e dei toda a força possível para cortar a bola. Nesse instante, veio o goleiro, meu companheiro, num carrinho e me atingiu. Foi um estouro. Disseram-me o Mafra, o Marcon e o Nito Miqueloto, meus companheiros, que pareceu um tiro de revólver 38. Senti que algo de muito ruim me havia acontecido. Eu não queria acreditar: O que iriam dizer meus familiares? Cmo iria dar aulas no dia seguinte?
Meu colegas vieram acudir-me. Estavam apavorados. Olhei para minha perna direita e o pé estava desgovernado. A perna dobrou-se, apenas a pele mantinha o pé preso ao meu corpo. Uma fratura na Tíbia, duas no Perônio, e os ossos esfacelados. Uma senhora contusão! Tiraram minhas chuteiras, minhas meias. Uniformizados, não conseguiam achar as chaves dos carros para levar-me ao hospital. Ficaram todos atrapalhados. Vi o Irineu Miqueloto (saudoso...), que viera de Ponta Grossa para o batizado de sua sobrinha, pedi para que me socorresse, e ele, apavorado, no alambrado, procurava nos bolsos as chaves de seu carro, e nada! Até se esquecera de que não estava de carro lá. Havia deixado o carro com a esposa e nem se lembrava disso. Estavam todos desorientados...
Enfim, os amigos Vilson Farias, atual Vice-prefeito de Capinzal, e o Alvanir Mafra, com o Fusca deste, resolveram que deveríamos ir de imediato para o hospital, no fusca. Colocaram-me no banco traseiro, o Mafra dirigia e o Farias me dava apoio moral. Iríamos direto pra Joaçaba, onde haveria ortopedista no Hospital Santa Terezinha.
Na estrada eu olhava para o espelhinho retrovisor e via que estava pálido, meus cabelos molhados, o rosto muito suado. Não sentia dor, ainda, porque estava om o corpo muito quente, havia corrido muito e por mais de meia hora. Não me conformava por aquilo estar acontecendo comigo...
Em menos de meia hora estávamos nas ruas centrais de Joaçaba, onde não haia asfalto ainda. Quando o carro trafegava sobre sobre os paralelepípedos do calçamento, os ossos pareciam espinhar os músculos e doía muito, muito. No Hospital Santa Teresinha, fui posto na numa maca, e o médico Dr. Marino, ortopedista, colocou uns saquinhos de areia nos lados da perna, imoilizando-a. Como que se a mão de Deus tirasse a dor, senti-me aliviado. Veio o raio-x, o gesso, envolvendo toda a perna até a bacia. Não havia necessidade de cirurgia, graças a Deus. Apenas 90 dias no gesso. Levaram-me para casa. Eu estava chateado porque minha família não pudera participar da festa da Aquidauana. mas não sentida dores. Até que passou o efeito da anestesia quando passei por dores insuportáveis. Ligaram para o hospital e indicaram-me injeções para alviar a dor que um rapaz, meu aluno, o Neodir Zanini, veio aplicar, junto com o pai dele, o Nadir.jovem, trabalhava na Farmácia São Pedro. A dor ia e voltava...
À noite, demorei para dormir. Depois sonhei. Sonhei que estava numa bela tarde de sol, lá no mesmo campo, jogando futebol, mas na lateral esquerda, com a camisa 6. Jogando contra o Clube 4 S de Linha Sul, marcando o Joãozinho Baretta, um primo. Ele estava de camisa verde e eu marcando-o.
Muitos dias com dores, passei os primeiros vendo na TV as Olimpíadas de Los Ângeles, torcendo pelo Brasil, em especial pelo goleiro Gilmar Rinaldi, que defendeu até pênaltis. E nos deu a Medalha de Prata. O Gilmar foi nosso compnheiro de bola no campinho, ali no Ouro, quando vinha passar as férias na casa de sua irmã, a Matilde. Jogava no Inter, depois jogou no São Paulo, na Udinese, num clube do Japão e n Flamengo.
Seis meses depois, estava eu de volta aos campos. Mudei meu jeito de jogar, mais cauteloso, usando menos a força e mais a inteligência. Percebi que nosso corpo tem limites, esta foi minha lição. E consegui correr atrás da bola por mais 25 anos, apenas com 3 meses de interrupção em 98, quando estourei menisco e ligamentos, pondo até parafuso de titânio no joelho esquerdo, que está ali até hoje. Estou até pensando em voltar a jogar, agora na Primavera...
Realmente, aquele domingo, 22 de julho de 1984, meu mundo ficou de pernas pro ar. Mas sobrevivi!
Euclides Riquettii
22-07-2013
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