Ao longo dos dois últimos séculos, era
normal se verificarem pessoas andantes das estradas, a maioria sem
identificação, que levavam em si segredos os mais diversos. Eu mesmo conheci
algumas, em minha adolescência. Despertavam a curiosidade dos moradores das
cidades e mesmo das comunidades interioranas. Além desses, outras figuras
religiosas marcaram época no Vale do Rio do Peixe, como Frei Bruno, na região
de Joaçaba; e Frei Crespin Baldo, no antigo Rio Capinzal, em Linha Sete de
Setembro, no local onde está instalado hoje do Distrito de Santa Lúcia, em
Ouro.
Tanto Frei Bruno como Frei Crespin têm
atribuído a si a prática de milagres, especialmente pela realização de curas.
Sobre Frei Bruno, é dito que ele andava pelas ruas com seu cajado,
cumprimentando a todos e dando conselhos a quem os pedisse. Era um andante
urbano. Contam que, deslocando-se entre Joaçaba e Luzerna, seguia sem
interromper a viagem em que se aprofundava a meditar, e era possível que fosse
localizado em ambos os lugares ao mesmo tempo. Depois de sua morte, as pessoas passaram a
pedir a ele a intercessão para operar curas de seres portadores de doenças
graves, quando que em estado quase que terminal. Relatos nos dão conta de que
muitas foram as graças alcançadas por seus fiéis seguidores que, cada vez mais,
lhe devotam a Fé.
Frei Crespin, morreu num acidente de jipe, na
Linha Entrada, em Capinzal, quando ia com outros frades a Curitiba para um
encontro religioso. O jipe tombou sobre ele e sua boca acabou calcada num
pequeno buraco de uma valeta, tendo morrido afogado, após a ingestão de água e
barro. Igualmente, é venerado por todos os que o conheceram. Eu mesmo fui
abençoado por ele quando criança, nas proximidades da Gruta de Nossa Senhora de
Lourdes, em Leãozinho, Ouro, quando este ainda pertencia a Capinzal. O processo
de canonização de Frei Bruno está em fase bem adiantada, enquanto que, com
relação a Frei Crespin, há uma tentativa inicial, ainda incipiente.
Mas é certo que, muito além do que
consta nos relatórios escritos, há muitas histórias sobre ambos andando de boca
em boca, de coração em coração. Algumas revestidas de acréscimos em razão do
entusiasmo de pessoas que acreditam em ambos, e no seu poder de curar.
Lá em Leãozinho, Ouro, uma vez, ainda à
época de Crespin, um andarilho esteve na gruta de Nossa Senhora de Lourdes e,
por ser época de inverno, ao final da década de 1950, ele se alojou numa
benfeitoria da Capela local, um pequeno galpão perto do rio que dá nome à
comunidade, acendendo um fogo, de repente com alguma técnica que conhecia, uma
vez que não portava fósforos nem isqueiros. Estive lá com uma das filhas de meu
padrinho, João Frank, que me criou a partir de meus 13 meses de vida, até meus
oito anos, quando voltei à família de meus pais, para frequentar a escola
rudimentar. À época, houve muita especulação sobre a identidade daquele homem,
que nada pedia, pouco falava, e muito rezava. Um saco velho de algodão, com
alguns pertences, era tudo o que possuía. Meu padrinho, um homem justo e de bom
coração, mandou-nos que lhe levássemos comida, frutas, açúcar mascavo, pão,
vinho, salame e café com leite. Fomos lá, entregamos e percebemos uma tênue
alegria no rosto sofrido daquele senhor, que nos agradeceu e abençoou.
Histórias de andantes pelas estradas
também ouvi de meu avô, Victório Baretta, em Linha Bonita, em minha
adolescência. Ele era bodegueiro no interior de Rio Capinzal, no Distrito de
Ouro, e recebia pessoas em seu casarão de nove quartos, uma sala comercial e
duas outras, um escritório, uma cozinha e o compartimento do lavador de louças.
O banheiro ficava instalado num galpão à parte, onde se localizava o tanque de
lavar roupas, que recebia água de bica. Um chuveiro de campanha, em zinco
galvanizado, um paiol capaz de armazenar mais de mil sacas de milho em espigas,
cerca de três mil dessas, um considerável armazém, estábulos e chiqueiros
completavam o conjunto da propriedade. Era normal ver andantes de alojando em
alguma das benfeitorias. Os viajantes, mascates, que deixavam seus animais na
casa de pasto, eram acomodados em quartos do casarão. Eu mesmo vi muitos desses
andarilhos, que andavam me parecia sem rumo, mas que todos sabiam rezar e
agradeciam, respeitosamente, pelo abrigo e comida que nossa família lhes dava.
No início dos anos setenta, me deparei
com um volume de histórias muito interessantes sobre um monge que teria vivido
no Vale do Rio Iguaçu, que andou pela região da Lapa, Ponta Grossa, Guarapuava,
e Porto União da Vitória, na região em que fervilhou a Guerra do Contestado, e
vindo mais ao Sul, propriamente em Lages, Curitibanos e Campos Novos, e no
Norte do Rio Grande do Sul. O Monge João Maria, como era chamado, que pode ter
sido apenas um homem ou dois, ou mesmo três, segundo contam, certamente que com
o sobrenome de Agostini, depois Agostinho; ou João Maria de Jesus. As
informações, no entanto, nos levam a crer que era o mesmo homem, com
características bem peculiares. Seria um curandeiro, um místico, um
conselheiro, um contador de histórias, um religioso, ou um fugitivo da Lei?
Imagino, pelo que ouvi sobre ele, ao longo de minha vida, ser um misto de tudo
isso, um ser humano de grande alma e coração, capaz de operar milagres, de
influenciar positivamente e psicologicamente as pessoas que acreditavam nele,
um receitador de chás de ervas, incentivador de que rezassem a Jesus, um
andarilho capaz de fazer andarem os paralíticos e de repor o sorriso no rosto
dos deprimidos. E assim é construída uma aura em torno dele. É o herói humilde,
com muito caráter, o benfeitor e defensor dos fracos e oprimidos, muitas vezes
adorado, e por alguns rejeitado, pois representaria perigo para os poderosos,
em razão de verdades pronunciadas em suas palavras.
Por outro lado, é dito que, nos lugares
onde era mal recebido, lançava pragas que, em pouco tempo, se concretizavam.
Monge ou profeta, predisse muitas coisas que calaram na mente das pessoas, em
especial dos sertanejos do Sul do Brasil, e que foram sendo passadas adiante,
oralmente. Um monge leigo, que usava roupas velhas, talvez uma túnica de
sacerdote muito desgastada, um gorro na cabeça, sandálias muito rústicas, um
saco velho, de algodão encardido, uma velha Bíblia e um cajado. Seus discursos
ou sermões encantavam os ouvintes, humildes, falando do fim do mundo, de coisas
que iriam acontecer. Profetizou: “Chegará um tempo em que ninguém saberá quando
será inverno nem verão”, e isso se verifica, hoje, nas constantes anormalidades
climáticas. “Plantem o que dá debaixo da
terra”. “As mulheres tomarão uso da vestimenta dos homens”. “Filhos e filhas
não obedecerão seus pais, haverá filhos contra os pais e pais contra filhos”. “Haverá
uma águia de aço carregando gente” (avião). “Haverá um burro preto carregando
gente” (carro). “Um gafanhoto de aço roncador destruirá as florestas”
(motosserra). “Uma cobra preta cruzará toda a região e engolirá muita gente,
por ela só caminharão pés de borracha” (asfalto e carros).
Também é dito que, quando das
tempestades, o Monge ficava sentado ao relento, mas não se molhava. Ainda, que
era capaz de estar, ao mesmo tempo, em dois lugares, rezando numa gruta e
curando um doente numa casa. Jamais os índios ou os animais selvagens o
atacavam. Fazia surgir olhos d´água nos lugares em que pousava. Curava doentes
com infusões da planta conhecida como vassourinha, e suas rezas. Ainda, dizem
que, uma vez, após jejuar por dois dias, dois anjos o levaram para o céu. No
entanto, muitas são as versões sobre a data e o local de seu desaparecimento.
As histórias contadas sobre o Monge são
muitas e são propagadas ao longo dos últimos dois séculos. A mais recente, surgiu
em União da Vitória, após a Enchente de 1983, que fez subirem muito as águas de
três rios que banham Santa Catarina: Iguaçu, na divisa de nosso estado com o
Paraná; Rio do Peixe, que corre de Norte a Sul; e Rio Itajaí, que vai do
Planalto ao leste, desaguando no Atlântico. Dizem que, numa das passagens de João
Maria por União da Vitória e Porto União, passou pela casa do Coronel Amazonas
Mendes Marques, proprietário de embarcações que transportavam gente e
mercadorias pelo Rio Iguaçu. Com sede e fome, foi recebido pelo Coronel, que
residia à margem Norte da Ferrovia denominada, à época, Rede Viação
Paraná-Santa Catarina, no hoje Bairro São Cristóvão. Recebeu da família do
Coronel Amazonas comida para matar sua fome e água para saciar sua sede. Disse,
então, ao Coronel, que um dia haveria uma grande inundação, e que as cidades
gêmeas, Porto União e União da Vitória, iriam ficar submersas às águas do Rio
Iguaçu, parando de subir quando chegasse ao último degrau da escada com que as
pessoas chegavam a sua residência. Pois, na Enchente de 1983, a maior da
história e que causou danos irreparáveis a catarinense e paranaenses, isso se
concretizou: quando a água chegou ao último degrau, seu nível parou de subir.
E, dias depois, foi lentamente se normalizando, com o Iguaçu voltando,
normalmente, ao seu leito. Visitei, pessoalmente, algumas das fontes abençoadas
pelo Monge, que costumava acampar-se ao lado delas: a da Água Santa, em Zortéa;
uma num mato no acesso à fazenda Nossa Senhora de Belém, de Alceu Saporite, nos
campos de Água Doce; e o “pocinho” de “São João Maria”, no Morro da Cruz, em
Porto União. Ali, muitas crianças são até hoje batizadas, inclusive alguns de
meus familiares o foram.
Sempre que conduzo turistas para o Vale
do Rio Iguaçu, na condição de condutor cultural, tenho passagem obrigatória
pelo Pocinho de São João Maria, onde pelo menos duas esculturas talhadas em
madeira o mostram com a imagem com que as pessoas verdadeiramente o conhecem.
Ali são feitas orações e há muitas imagens de santos levadas a ele. São a
simbologia dos supostos milagres que ele realiza. Eu mesmo compus a “Oração do
Monge São João Maria”, que tem sido espalhada para o mundo através da internet:
Oração ao Monge São João Maria
Nas plagas de
Taquaruçu
Nas grutas do Vale do Peixe
Nos morros e planaltos do Sul
E onde que a memória deixe
Ou nas raízes do Iguaçu
Neste chão catarinense
Os revoltosos exclusos
Mexeram com as almas das gentes.
Cruzes espalhadas nos morros
As fontes benzidas das águas
Gemidos pedindo socorro
Corações cheios de mágoas
O velho do cajado e do gorro
Pés descalços e mãos calejadas
São João Maria do bom povo
Abençoe minhas simples palavras.
O manto de trapo que cobre
Um corpo esguio e indefeso
Esconde as origens de um nobre
Que tem por justiça o desejo
São João Maria a esses pobres
Dá tua bênção, teu conselho
Abençoa os caminhos em que corre
O rejeitado sertanejo.
Monge João Maria da oração
Olha pro céu anilado
Que tomou-me a casa e o pão
Que fez de mim um coitado
Dá alimento ao meu coração
Que anda nos caminhos jogado.
E, entre anjos e arcanjos
Nas imensidões de um além
Perdoa até mesmo os tiranos
Paz para eles também
São João Maria, Homem Santo
Homem que lutou pelo bem
Que reine a harmonia em todo o canto
E que Deus nos diga amém!
Nas grutas do Vale do Peixe
Nos morros e planaltos do Sul
E onde que a memória deixe
Ou nas raízes do Iguaçu
Neste chão catarinense
Os revoltosos exclusos
Mexeram com as almas das gentes.
Cruzes espalhadas nos morros
As fontes benzidas das águas
Gemidos pedindo socorro
Corações cheios de mágoas
O velho do cajado e do gorro
Pés descalços e mãos calejadas
São João Maria do bom povo
Abençoe minhas simples palavras.
O manto de trapo que cobre
Um corpo esguio e indefeso
Esconde as origens de um nobre
Que tem por justiça o desejo
São João Maria a esses pobres
Dá tua bênção, teu conselho
Abençoa os caminhos em que corre
O rejeitado sertanejo.
Monge João Maria da oração
Olha pro céu anilado
Que tomou-me a casa e o pão
Que fez de mim um coitado
Dá alimento ao meu coração
Que anda nos caminhos jogado.
E, entre anjos e arcanjos
Nas imensidões de um além
Perdoa até mesmo os tiranos
Paz para eles também
São João Maria, Homem Santo
Homem que lutou pelo bem
Que reine a harmonia em todo o canto
E que Deus nos diga amém!
São João Maria, líder
espiritual do sertanejo sul-brasileiro, para onde quer que tenha ido parar seu
corpo, em algum lugar da América do Sul, deixou sua alma vagando para alojar-se
em muitas das fontes onde repousou. Um curandeiro, milagreiro ou um místico
andarilho, o Monge Andante, a quem respeito como Santo, por quem já rezei, a
quem já pedi proteção, abençoa o povo brasileiro!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Amigos, peço-lhes a gentileza de assinar os comentários que fazem. Isso me permite saber a quem dirigir as respostas, ok? Obrigado!