sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Os Mistérios do Hotel Paraná (Em União da Vitória)

 


 



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          As amizades que a gente faz têm um incomensurável valor. Às vezes fomos próximos de pessoas que nunca nos notaram e nem nós as notamos, não por orgulho, mas por que, ironicamente, podemos ter trilhado o caminho paralelo, mas não o mesmo. Podemos ter vivido no mesmo bairro, na mesma cidade, mas interesses distintos nos conduziram por distintos caminhos. Hoje, com a disponibilização das redes sociais, consegue-se  fazer novas amizades e redescobrir algumas que se guardaram, adormecidas, por longos anos.  Tenho buscado percorrer os caminhos por onde andei na minha juventude e, felizmente, tenho reencontrado muitas pessoas que também andaram por eles.  E, no mesmo trajeto, acabei formando outros novos amigos. A amizade é algo sensacional. Quando madura, bem construída, torna-se sólida e nos traz muita satisfação e alegria.

          Numa dessas incursões pelo facebook, conheci uma pessoa que me me suscitou ternas lembranças, devo ter passado milhares de vezes pelos caminhos em que ela passou. Agora, quatro décadas depois, descubro respostas para perguntas que nunca obtive.

          Já mencionei, nas crônicas anteriores, meu modo de vida de meus tempos de faculdade, quando eu morei em Porto União da Vitória. São duas cidades, separadas parte pelos trilhos da estrada de ferro, parte pelo Rio Iguaçu. Duas cidades e dois estados: Porto União, em Santa Catarina, a cidade onde se situava o 5º Batalhão de Engenharia de Combate. União da Vitória, no Paraná, onde se situava o Estádio Enéas Muniz de Queiroz, onde vibrei em muitas tardes de domingo, quando ia lá torcer pela A.A. Iguaçu, e na qual jogava meu conterrâneo e amigo Roque Manfredini, um dos melhores goleiros que Capinzal já produziu.

          Morei  quatro de meus cinco anos ali,  bem no centro de União da Vitória, na Rua Professora Amazília e, por último, na Avenida Manoel Ribas. Andava muito, a pé, na cidade plana, vivi ali o melhores anos de minha juventude.

          Dentre as lembranças que atraem meu pensamento, está o trajeto que fazia do "Esquadrão da Vida", a nossa república de estudantes, até a FAFI, onde eu estudava. Apenas quatro minutos a pé. Uma dobra de esquina, duas ruas,  e a Praça Coronel Amazonas, onde três prédios nos chamavam a atenção: a Catedral, a Fafi e o Hotel Paraná. A Catedral, uma edificação que dispensa comentários, uma obra de suntuosa arquitetura. A Fafi, uma edificação funcional e sem atrativos arquitetônicos. Mas tinha seu valor pela sua história e pelo nível de formação de seus acadêmicos. Na não menos histórica Praça Coronel Amazonas, a qual eu atravessava para chegar à aula. Ali, um lugar muito seguro à época, era o lugar em que as mães levavam as crianças para brincar num parquinho. Árvores centenárias marcavam aquela paisagem, eram o seu maior atrativo. E, dirigindo meu olhar de lá para a direita, o casarão do misterioso Hotel Paraná. Dezenas, quiçá centenas de  histórias rondavam aquele sobradão imponente, belo, aristocrático, mas ao mesmo tempo assustador...

          O Hotel Paraná, já na década de 1940, abrigava a elite de viajores que passavam pelo Passo do Iguaçu. A cidade era ponto final de linhas de ônibus que vinham de Curitiba, Canoinhas, Mafra, Joaçaba, Palmas, Pato Branco, Concórdia, Chapecó. E dos trens que vinham de Curitiba/Ponta Grossa, São Francisco do Sul e Marcelino Ramos. Então, para seguir viagem no dia seguinte, pernoitavam em Porto União da Vitória. Cerca de uma dezena de hotéis na cidade, mas o mais categorizado, com o melhor serviço e as melhores acomodações, mais luxo em seu interior era, certamente, o Hotel Paraná.

          Depois de reinar absoluto por muitas décadas, com o falecimento do proprietário que sucedeu os fundadores,  o hotel foi arrendado, quando sucederam-se, em seu interior, fatos que marcaram muito a história da cidade,  e que ensejaram todas as especulações em torno do mesmo. Eu perguntava, em 1972, aos colegas,   por que um prédio tão bonito e bem arquitetado, numa paisagem urbana bastante singular, estava ali abandonado, fechado. E me diziam que era um lugar mal-assombrado, que ocorreram  dois assassinatos ali e que, depois disso, nunca mais fora o mesmo. E me explicavam as coisas que eu nunca entendi direito. Mas olhar para tudo aquilo, principalmente à saída da Faculdade, não me causava medo, mas sim admiração, sentimento de perda... Não entendia o porquê de o Poder Público, a Prefeitura, o Estado, não adquirirem aquele exuberante imóvel para ali instalar o Museu da Cidade, uma Casa da Cultura. E nunca obtive respostas.

          Nos cinco anos que  morei na cidade ele permaneceu ali, aumentando seu mistério e suas histórias. (O tempo faz com que se perca a verdade e os fatos se deturpem...) Mas, nos últimos dias, através de uma das herdeiras do imóvel, Consuelo Portolan, fiquei conhecendo um pouco da sua história. O avô desta o adquiriu  nos áureos tempos de União da Vitória, na época em que as serrarias eram abundantes e o beneficiamento das madeiras movimentava, fortemente, a economia da região. O Hotel Paraná era o principal destino de empresários e autoridades que chegavam à cidade. Fora construído, não se tem data precisa disso, possivelmente por autoridades de Governo, justamente para abrigar as muitas autoridades que se dirigiam para a região, a qual era integrante do território contestado. Quando o avô faleceu, a família alugou-o para terceiros, tendo acontecido o assassinato de suas pessoas em seu interior. Então, a  mãe da herdeira, com um filho e duas filhas, todos menores, tentou  levar o empreendimento adiante mas, com o falecimento muito prematuro desta, os filhos fecharam o estabelecimento e foram embora.  Havia o sonho de se transformar o prédio numa casa de cultura, mas isso não aconteceu. E, adiante, houve a um incêndio que comprometeu a estrutura de alvenaria, resultando na ocupação do terreno para construção de prédios de apartamentos.  Ao revisitar a cidade, deparei-me, posteriormente, com aqueles prédios que ali estão agora...

       Sobre o Hotel, Soad Portolan, uma das duas moças herdeiras junto com um irmão, e irmã da Consuelo, diz: 

     "Meu avô, João Saade, proprietário do Hotel desde 1945, não faleceu antes do arrendamento à família Barth, que teve duas pessoas assassinadas no hotel.
Essa tragédia se deu lá por 1962, e meu avô retomou o hotel, juntamente com minha mãe, eu e meus dois irmãos, em 1964. Em julho de 1970 minha mãe faleceu, em fevereiro de 1971 eu e meus irmãos viemos para Brasília, e em julho de 1971 que meu avô veio a falecer, ainda morando no hotel, já desativado".

          Parte da história daquele sobradão que me encantou na juventude, pude ter resgatada pelas informações de uma amiga recente  que, na época, entre dezessete e dezoito anos,  tendo sido criada no interior daquele hotel, ali viveu os grandes momentos de sua infância e adolescência.   Aqueles tempos em que se faz a amizade na escola, na rua,  nas festinhas de aniversário. Fiquei imaginando como deve ter sido a vida daquele rapaz e de suas duas irmãs, todos menores, que pisaram, pouco antes de mim,  as mesmas calçadas que eu também pisei.  E que brincaram naquela praça, sentiram o frio nevoento do inverno e o sol causticante do verão. E que tinham seus sonhos, sua família, mas acabaram sós. E que foram construir seus sonhos em outra cidade, deixando ali todas as belas lembranças de sua infância... Mas a vida é assim mesmo. De repente, fatos que acontecem mudam tudo na vida das pessoas...

          Obrigado, Consuelo, por me ajudar a conhecer, um pouco, a história dos mistérios do formoso Hotel Paraná, uma imagem que tenho gravada em minha memória saudosista!

Euclides Riquetti
23-06-2013

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